A música do Natal

Não gosto das musiquinhas do Natal. Mas gosto, isso sim, dos cantares (populares ou não) ao Menino Jesus nas igrejas e, com eles e a partir deles, das músicas de fundo dos Natais verdadeiros, os que acontecem dentro das nossas casas.

Não gosto das musiquinhas do Natal. Mas gosto, isso sim, dos cantares (populares ou não) ao Menino Jesus nas igrejas e, com eles e a partir deles, das músicas de fundo dos Natais verdadeiros, os que acontecem dentro das nossas casas.

Poderá ser a noite um lugar de luz? Escrevendo este texto em dia de Natal, obviamente diremos que sim, pois temos ainda, como fundo vital, a música deste refrão extraordinário e potente ouvido esta noite, na Missa do Galo: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento”, nas palavras que, há tantos séculos atrás, profetizou Isaías.

Uma luz que desponta nas trevas, que traz não apenas a capacidade de ver, mas sobretudo a capacidade de viver a alegria. O Natal é, sem dúvida, um tempo alegre, vistoso, musical.

Aliás, o que não falta ao Natal é música de fundo, nos centros comerciais, nas lojas e nas tantas animações de rua, nas festas de amigos, da empresa, dos grupos… Contudo, esta é uma música de sinos, com tonalidades plásticas, insistentes e coloridas, que cansam. Parece que forçam ambientes, em que tudo nestes dias terá que estar bem, que todos somos bons e amigos uns dos outros e depois… talvez voltaremos ao mesmo, apesar das boas resoluções de ano novo.

Por isso, não gosto das musiquinhas do Natal. Mas gosto, isso sim, dos cantares (populares ou não) ao Menino Jesus nas igrejas e, com eles e a partir deles, das músicas de fundo dos Natais verdadeiros, os que acontecem dentro das nossas casas: as gargalhadas e as histórias, o “chega-te para aqui, que cabe mais um”, ou “serve-te mais um pouco”, os gritos e correrias antes da meia noite e os papéis dos presentes a serem rasgados.

Estas são as músicas da vida partilhada que não precisa ser ensaiada, surge na espontaneidade da alegria que vem de disfrutarmos presenças, laços, sintonias e histórias, de quem se alegrou, sofreu, chorou junto, e todas as outras ações da vida de quem temos perto de nós, nos dias bons e nos dias maus. É esta a música do Natal de Jesus e de tantos nascimentos na vida.

A partir daqui, começa a história de Deus com cada um de nós, que nos convida a crescermos com Ele, contemplando-O na humanidade que Ele fez sua, para nos assemelharmos à sua divindade que Ele quer fazer nossa.

Lembro-me da Missa do Galo na Basílica de S. Pedro, dia 24 de dezembro de 2007, com o Papa Bento XVI. Terminou assim a sua homilia: “Quero citar uma singular afirmação de Santo Agostinho. Ao interpretar a invocação da Oração do Senhor «Pai Nosso que estais nos céus», ele interroga-se: O que é isto, o céu? E onde é o céu? Segue-se uma resposta surpreendente: «…que estais nos céus – isto significa: nos santos e nos justos. Temos, é verdade, os céus, os corpos mais elevados do universo, mas sempre corpos são, os quais não podem estar senão num lugar. Na realidade, se se acreditasse que o lugar de Deus seria nos céus enquanto as partes mais altas do mundo, então as aves seriam mais felizardas do que nós, porque viveriam mais perto de Deus. Ora não está escrito: “O Senhor está perto de quantos habitam nas alturas ou nas montanhas”, mas sim “O Senhor está perto dos contritos de coração” (Sal 34/33, 19), expressão esta que se refere à humildade. Do mesmo modo que o pecador é chamado “terra”, por contraposição também o justo pode ser chamado “céu”» (Serm. in monte II 5, 17). O céu não pertence à geografia do espaço, mas à geografia do coração. E o coração de Deus, na Noite santa, inclinou-Se até ao curral: a humildade de Deus é o céu. E se formos ao encontro desta humildade, então tocamos o céu”. (breve pausa em silêncio)

Voltemos agora à música do Natal, do nascimento de Deus na história e que, cada ano, não como recordação, mas como desejo, sede e compromisso, celebramos na fé: o nascimento de Deus na nossa história. É porque Ele se inclinou em humildade é que tornou possível que cada um de nós, ali se encontrando, toque o céu, não nas alturas do cosmos, mas nas alturas do nosso coração, ali nos espaços e tempos onde o amor é capaz de chegar ao seu máximo poder de transformação.

A partir daqui, começa a história de Deus com cada um de nós, que nos convida a crescermos com Ele, contemplando-O na humanidade que Ele fez sua, para nos assemelharmos à sua divindade que Ele quer fazer nossa.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.