Em agosto estarei no Festival de Edimburgo a ouvir John Grant, um dos meus cantores de eleição, razão pela qual o recomendo.
Há na música de John Grant um desacerto, um desconforto, de que me sinto muito próximo, uma tentativa de encontrar um espaço de aceitação, de reconciliação, de integração.
A canção que recomendo, “I Wanna Go to Marz”, é na verdade uma lista de gostos e sabores de uma pequena loja de doces da infância de Grant, mas o propósito da canção vai muito além da mera nostalgia. Ela transporta-nos para os momentos imediatamente anteriores à descoberta, primeiro, e aceitação, muito depois, de algo que mudaria a perceção de Grant sobre si próprio.
Ela relata, de alguma forma, os últimos dias felizes de uma criança, a antecipação de uma jornada, que lhe foi muito difícil, de descoberta interior, de rejeição, alheamento e quase morte. Mas há nela um sentido redentor, como se, de alguma forma, esta canção só pudesse ser cantada por quem, apesar de tudo, conseguiu superar e atravessar essa jornada.
Não se trata, por isso, pelo menos para mim, de uma desconsolada viagem ao passado, em busca de uma inocência, mas antes a confirmação de que, muito tempo depois, aquela pessoa, já não criança, consegue ver novamente o mundo através da lista de gostos e sabores de uma loja de doces.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.