Habitamos sociedades «rapidificadas» e desiguais, falhas de coesão, de raízes e de esperança. A sua qualidade democrática e a sua resiliência são duramente questionadas por tensões e desafios de grande escala que comprometem o futuro comum, mas também por dolorosos incidentes quotidianos, aos quais assistimos com indiferença e ceticismo. Podem as democracias salvar-se e promover um desenvolvimento integral de pessoas, de organizações e de comunidades? Como podemos aprender a viver juntos no contexto de uma crise tão profunda?
John Dewey ensinou que a causa da democracia é a causa moral da dignidade e do valor do indivíduo. O Papa Francisco lembra que somos irmãos e que por isso não devemos considerar o outro como um inimigo nem um adversário a eliminar. Mostra-nos que o desenvolvimento integral é aquele que integra todas as pessoas numa Cultura de Encontro e de diálogo, num Estilo de Vida que se rege pela misericórdia como a categoria política fundamental: «acompanhar a humanidade nos seus processos», promover a pessoa, empenhar-se na justiça, «fazer avançar o bem», quando o mal que sustenta as estruturas injustas impossibilita um futuro melhor.
Corresponder aos desafios do tempo presente significa, pois, «caminhar juntos», acolhendo, protegendo, promovendo e integrando cada pessoa, colocando-a no centro dos processos e das decisões políticas. Deste modo se acrescenta à vida comum o olhar inovador das periferias materiais e existenciais e, apreciando-as e considerando-as, se cuidará da fragilidade das pessoas e dos povos. Só assim estaremos em condições de despertar para a complexidade das realidades e a importância crucial do diálogo interdisciplinar, trabalhando as crises como uma oportunidade de implementar processos que viabilizam as condições comuns de chegar a uma conclusão maior do que a soma das partes, mais realista do que as ideias de partida, capazes de unidade e de esperança.
Deste modo se oferecerá à humanidade as utopias realizáveis das novas possibilidades de paz, de progresso moral e social e de um desenvolvimento sustentável. Um estilo de vida enraizado na misericórdia tem como referências o perdão e o serviço, e a partir destes, gera processos viáveis de proximidade, de partilha de valores, de metas, de práticas e de interesses diversos, universalizando-os em torno da justiça, da vida, do trabalho, do respeito pela dignidade humana e pela criação, promovendo sem invadir e cultivando sem desenraizar, garantindo a «vantagem competitiva» de não esvaziar as sociedades e os grupos das suas tradições e peculiaridades definidoras, numa «globalização poliédrica» em que todas as pessoas têm lugar.
In A Misericórdia como Categoria Política. Lisboa: UCPEditora, 2024.
Este livro será apresentado no dia 12 de março, pelas 18.30, na livraria da Universidade Católica Portuguesa – Lisboa
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.