A idade de ouro do mobiliário francês

Esta exposição dá-nos o privilégio de percebermos melhor as peças de mobiliário e todo o seu percurso – desde a madeira acabada de cortar até à sofisticada peça – assim passando a considerá-las também obras de arte.

Esta exposição dá-nos o privilégio de percebermos melhor as peças de mobiliário e todo o seu percurso – desde a madeira acabada de cortar até à sofisticada peça – assim passando a considerá-las também obras de arte.

O encerramento dos museus como medida de prevenção contra a pandemia que enfrentamos impossibilitou-me de visitar a exposição “A Idade de Ouro do Mobiliário Francês. Da Oficina ao Palácio”. No Museu Calouste Gulbenkian, expõe-se assim o melhor do mobiliário francês desde a época da Regência de Filipe de Orleães até ao reinado de Luís XVI, passando pelo reinado de Luís XV e a época de transição para o seu sucessor. Tendo em conta que estava a contar escrever sobre esta exposição, a minha primeira reação foi a de que teria de arranjar outro tema. Contudo, tendo em conta a habitual excelência da curadora Clara Serra, a qualidade dos móveis que compõem a exposição permanente da Colecção Gulbenkian, e a referência que a Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva é na construção de mobiliário, decidi tomar o risco de aconselhar a visita a esta exposição, assim que nos for permitida.

Aproveito a oportunidade que tenho de escrever este texto para, debruçando-me muito brevemente sobre o deslumbramento do mobiliário francês do século XVIII, aguçar a vontade de visitar a exposição e fazer dessa visita uma experiência mais informada e, consequentemente, mais fascinante.

A estabilidade e prosperidade com que viviam o Primeiro e Segundo Estados do século XVIII francês – mais concretamente desde o fim do reinado de Luís XIV até à Revolução Francesa – levou a um desenvolvimento artístico de que muito beneficiou o mobiliário. Além de uma liberalização dos costumes que promovia a vida social palaciana, as elites tinham dinheiro, e por isso exigiam uma produção mais requintada, ostentativa e inventiva, para decorar os seus seus novos palácios ou redecorar os antigos. Acima de tudo, criou-se a possibilidade de apostar ainda mais no sentido estético e na especificidade funcional de cada peça de mobiliário.

Além de uma liberalização dos costumes que promovia a vida social palaciana, as elites tinham dinheiro, e por isso exigiam uma produção mais requintada, ostentativa e inventiva, para decorar os seus seus novos palácios ou redecorar os antigos.

Assim, a obra final produzida pelos marceneiros (aqueles que fabricam a estrutura do móvel), ébanistas (aqueles que produzem o revestimento) e outros artistas como os fundidores ou ceramistas, tinha de apresentar uma qualidade excecional, tanto na construção e mecânica, como na decoração, quer ela fosse marchetada, lacada, dourada, com aplicação de bronzes ou porcelanas, afim de responder adequadamente às intenções do cliente e para, eventualmente, ser aprovada pela Jurande des Menuisiers-Ébénistes (recebendo a estampilha oficial da corporação dos marceneiros e ébanistas).

Para ser reconhecido oficialmente, a Corporation des Menuisiers exigia largos anos de treino, divididos por etapas bem definidas e requisitos exigentes que garantiam o máximo rigor e preservação da qualidade. É muito interessante acompanhar a evolução dos estilos, que por si só contam o seu contexto histórico.

Na época da Regência, com a mudança de Filipe de Orleães do Palácio de Versalhes para o Palais Royal, privilegia-se um ambiente mais íntimo e funcional. Inicia-se uma redução da monumentalidade do mobiliário e uma suavização das linhas rígidas e retas, que vem a acentuar-se durante o reinado de Luís XV, onde a simetria cai por completo, dando lugar às curvas, aos motivos vegetalistas e aos rocailles, cheios de dinamismo. Contudo, com as descobertas arqueológicas em Herculano e Pompeia, as elites tomam o gosto pelo neoclássico, impondo, depois de um período de Transição, as linhas retas e simples, as pilastras e caneluras, apenas decoradas com motivos bucólicos como animais ou flores, padrões sóbrios como o axadrezado, apresentando, por vezes, num medalhão central, temas alegóricos, cenas galantes ou troféus.

Seja qual for o estilo, é com indubitável qualidade que nos poderemos certamente maravilhar nesta exposição. São cada vez menos as casas que possuem um móvel deste género e quando nos cruzamos com um, mesmo que seja num museu, pouca atenção lhe damos, virando mais rapidamente o nosso olhar para os quadros da sala.

Creio que esta exposição nos dará o privilégio de percebermos melhor as peças de mobiliário e todo o seu percurso – desde a madeira acabada de cortar até à sofisticada peça – assim passando a considerá-las também obras de arte. Poderemos fascinarmo-nos com o seu intrincado método de construção de encaixe sem um único prego, com a desenvolvida mecânica que surpreende com sistemas inesperados, com o sofisticado trabalho de bronze que muitas vezes resulta em esculturas que se bastam sozinhas, com o paciente e complexo revestimento de laca, com a colorida aplicação de porcelana, que muitas vezes serve para contar histórias, ou com o magnífico trabalho de puzzle das madeiras, que ao longe mais parece uma pintura.

 

EXPOSIÇÃO – Idade de ouro do mobiliário francês – da Oficina ao Palácio
Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa

6 março- 28 set
Terça-feira a domingo 10h – 18h

 

Fotografia: Museu Calouste Gulbenkian

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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