Joan Jonas (1936) concretiza de uma forma muito clara aquilo que vimos designando por artista plástico. Ou seja, alguém que apreende, pensa e transforma o mundo através das ferramentas das artes visuais, mas que em vez de perceber a pintura, a escultura ou o cinema simplesmente como disciplinas autónomas, as assimilou como grupos lexicais necessários, para que o artista venha a concretizar no mundo, aquilo que em si é ainda intuição sem corpo.
À entrada da exposição está um texto escrito a negro na parede, referindo o peso que o trabalho começado pela artista, na Nova York do final dos anos 60, veio a ter na história e no desenvolvimento das práticas artística contemporâneas, nomeadamente nas áreas da instalação, da performance e do vídeo. Ainda no mesmo corredor são apresentados de dois filmes: Wind (vento) um filme mudo a preto e branco de 1968 – o primeiro filme que a artista produziu – onde a acção de um casal a andar calmamente numa praia coberta de neve em Long Island, é alternada com a dinâmica de interação de um grupo de pessoas ao vento; e um filme de 2002-2005, My New theater V: moving in place, onde se vê a artista caracterizada, a dançar com uma pedra.
A presença dos vídeos e a ideia de que nos vão ser apresentadas performances e instalação, produz nos visitantes a sensação de que todo aquele aparato formal e espectativa de proposta conceptual, é exigente demais, novo demais para a sensibilidade de tantos. Mas exatamente uma das coisas que surpreenderá a maioria, é a afirmação de que esta “novidade” já tem 50 anos.
A dinâmica dos espaços e o percurso entre salas, parece ter sido feita com vista a coreografar o movimento dos visitantes tornando-os performers, ou seja, parte integrante da peça total que é a exposição.
Só quando entramos na primeira sala e nos vemos de repente mergulhados no trabalho The Jumper Tree (o Zimbro) de 1976-1994, é que percebemos verdadeiramente a intensidade e a qualidade da proposta de trabalho desta artista, bem como aquilo que a exposição – pensada e montada em estreito diálogo com a artista – nos poderá proporcionar.
Estamos dentro de um cenário: composto por esculturas que também podem ser mobiliário e vice-versa; desenhos de grande dimensão que são cenários, exercícios de investigação de desenho, ou registos de movimento, feitos com um giz na ponta de um pau, na performance que se vê num ecrã, e que terá sido feita no mesmo cenário, numa outra ocasião; um ecrã grande onde se projetam cenas curtas de vídeo experimental, alternando imagens por vezes de contextos diferentes. Por fim os sons contínuos de objetos a serem movimentados, juntamente com a voz de um narrador, contínua, dando pistas ou sugestões de ordem discursiva ou narrativa, a toda aquela multiplicidade possível de diálogos.
Junta-se ainda ao carácter dinâmico e evolutivo destas abordagens, o facto de que os trabalhos de Joan Jonas vão sofrendo mutações ao longos dos tempos. Alguns trabalhos já foram ou poderão vir a ser uma outra coisa. Um trabalho de instalação, que era estático e desenvolvido para ser percorrido pelo espectador de forma contemplativa, pode de um momento para o outro passar a ser cenário de uma performance, onde artista e atores manipulam os objectos que a compunha, e desenvolvem um discurso de gesto e interação no seio daquele espaço.
As fontes de inspiração são diversas e vão desde as grandes narrativas da humanidade, ao folclore, às mitologias, ou aos contos – no caso do trabalho anteriormente referido é abordada uma história dos Irmãos Grimm. Mas em todo o caso a artista distancia-se de uma abordagem ilustrativa do mito, do conto ou do relato e por sua vez, convoca a sua vida e a realidade contemporânea, para que estas repensem, ficcionem e transformem o significado previamente definido.
A redefinição total da configuração das salas do museu propõe que caminhemos pelo interior dos momentos mais significativos do trabalho da artista, organizados sem qualquer preocupação de ordem cronológica. A dinâmica dos espaços e o percurso entre salas, parece ter sido feita com vista a coreografar o movimento dos visitantes tornando-os performers, ou seja, parte integrante da peça total que é a exposição.
A exposição de Joan Jonas que está patente na Fundação de Serralves até ao dia 1 de Setembro de 2019, representa uma das maiores retrospetivas do trabalho da artista. É ainda uma excelente oportunidade pedagógica, no sentido em que temos oportunidade de pensar desde o seu surgimento, a performance, as intervenções de experimentação audiovisual e a realidade das instalações. Pela correção e rigor do trabalho de Joan Jonas, não teremos razão de nos sentirmos defraudados ou enganados
Fotografia de capa de: © Joaquim Norte de Sousa.
Joan Jonas (Nova Iorque, 1936) é uma pioneira da vídeo arte e performance e uma aclamada artista multimédia cuja obra engloba vídeo, performance, instalação, som, texto e desenho. Figura central da performance nos finais dos anos 1960, a sua prática artística foi fundamental para o desenvolvimento de muitos géneros artísticos contemporâneos, desde a performance e o vídeo até à arte conceptual e teatro, sendo atualmente considerada uma das vozes mais influentes na arte contemporânea, em particular para novas gerações de artistas.
Informações úteis
Joan Jonas
Até 1 de setembro de 2019
Fundação Serralves
Segunda a sexta, das 10h às 19h
Sábado, domingo e feriados, das 10h às 20h
R. Dom João de Castro 210, 4150-417 Porto, Portugal (Mapa Google)
Contactos
Telefone: 226 156 500
[email protected]
Museu de Serralves
Bilhete: 12€ I Gratuito para menores de 12 nos e Amigos de Serralves
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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