A crise nos media em Portugal: causas e saídas

Ou consideramos que, sendo uma pena, é a lei da vida, e o mercado é que manda; ou defendemos que a existência e até fortalecimento dos media é de tal forma importante que devem ser “artificialmente” suportados, em nome do interesse público.

Ou consideramos que, sendo uma pena, é a lei da vida, e o mercado é que manda; ou defendemos que a existência e até fortalecimento dos media é de tal forma importante que devem ser “artificialmente” suportados, em nome do interesse público.

O tema da crise nos media não é novo, mas ganha agora nova visibilidade devido às dificuldades sentidas no Global Media Group, casa de títulos tão históricos e tão importantes como a TSF, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, entre vários outros.

Diga-se, para começo de conversa, que estes problemas estão longe de se circunscrever a este grupo, infelizmente. Mesmo as instituições de comunicação social que têm lucros passam por constrangimentos normais de um setor cuja procura declina e cuja consequente redução dos custos de produção (leia-se gastos com os salários dos jornalistas) massacra os que ainda o fazem e tende a piorar a qualidade do produto.

As razões para toda esta pressão são muitas, e começa por um ponto aflorado no parágrafo anterior, a queda da procura.

Ao contrário do que se possa pensar, não se consome necessariamente menor informação hoje em dia face ao que sucedia há 50 anos. Basta pensar na nossa taxa de analfabetismo então. O que acontece é que, antigamente, havia um “monopólio” da produção de informação, nas mãos de instituições poderosas e respeitadas (entre elas, lá está, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias). A informação jornalística era produzida por poucas entidades e disponibilizada – através da venda – em suporte físico, no caso dos jornais e das revistas. No caso da rádio e da televisão, a primeira era financiada pela publicidade, a segunda sobretudo pelo Orçamento do Estado (sendo a RTP o único canal existente).

informação jornalística era produzida por poucas entidades e disponibilizada – através da venda – em suporte físico, no caso dos jornais e das revistas. No caso da rádio e da televisão, a primeira era financiada pela publicidade, a segunda sobretudo pelo Orçamento do Estado (sendo a RTP o único canal existente).

Estes meios viviam num ambiente concorrencial, mas quem queria ou precisava de ter acesso à informação tinha sempre de passar por uma (pelo menos) destas vias.

Com o advento da internet, colocou-se à comunicação social um desafio existencial que também foi enfrentado por muitos outros setores: adaptar-se ou morrer. A resposta foi uma inércia inicial (tudo dava dinheiro, não havia um incentivo óbvio e imediato para mudar) e, posteriormente, uma tímida adoção do digital como forma de disseminação da informação produzida (e que muitas vezes continuou a ser produzida da mesma forma). Na altura, ninguém falava em “fechar conteúdos”: as pessoas pagavam o papel e a publicidade gerada no online trataria futuramente das receitas que se pudessem perder. Não foi assim.

As receitas de publicidade digital nunca compensaram o que se perdeu no “print”, mas quando isso se tornou claro para toda a gente já era demasiado tarde: havia anos que os jornais e revistas estavam a dar de borla, online, o que era o seu trabalho. Depois começou o movimento de fechar os conteúdos, fazer os leitores pagar, mas estes já estavam habituados a ler online gratuitamente. Há organizações com bons exemplos nesta transição, mas são raras.

Depois há um fenómeno mais geral, social. A produção e disseminação de “conteúdos” – e não de trabalhos jornalísticos, distinção importante – democratizou-se. Qualquer um pode ter um site, uma página nas redes sociais, um modo de, com baixo custo, chegar aos outros. Isto fez explodir a produção de “conteúdos”, muitos mascarados de “informação”, mas com regras (e custos) bem diferentes. Ou seja, hoje em dia nós somos bombardeados de manhã à noite com informação em sentido lato, e podemos chegar ao fim do dia sem ter consumido um único produto jornalístico – e não nos apercebemos. Um youtuber que tem uma conversa com um candidato político não é um jornalista, apesar de ter uma cadeira, uma secretária e um microfone, e fazer perguntas. Aquilo que distingue um jornalista dos outros “produtores de conteúdos” é que o primeiro tem um código deontológico, regras de conduta, uma forma de exercer a sua profissão que está sujeita a requisitos legais e a um título que lhe é atribuído por uma entidade (a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista). Um jornalista que entrevista o tal político tem o dever de ser isento e de procurar a verdade; o youtuber não. O youtuber (ou qualquer outro tipo de produtor de conteúdo) pode estar até a ser pago pelo entrevistado; o jornalista não. São diferenças monumentais a todos os níveis mas, para muitos consumidores de informação em sentido geral, passam despercebidos. Por outras palavras, uma entrevista é uma entrevista, é tudo a mesma coisa. Só que não é.

As receitas de publicidade digital nunca compensaram o que se perdeu no “print”, mas quando isso se tornou claro para toda a gente já era demasiado tarde: havia anos que os jornais e revistas estavam a dar de borla, online, o que era o seu trabalho. Depois começou o movimento de fechar os conteúdos, fazer os leitores pagar, mas estes já estavam habituados a ler online gratuitamente.

O que se perde quando se perde a imprensa é ficarmos exclusivamente à mercê de fenómenos que não são regulados, não seguem regras, e tiram partido das ferramentas digitais para a manipulação mais eficaz dos cidadãos, à base de informações erradas e distorcidas. Basta olhar o que forças políticas mais extremistas estão a fazer, em Portugal, em plataformas como o Tik-Tok, obtendo sucesso na radicalização dos mais jovens. Sempre que a imprensa é desgastada, o espaço é ocupado por quem age por interesses não divulgados, não regulados, ainda por cima com as mãos completamente livres para usar quaisquer mecanismos e artifícios, pela simples razão de que os factos e a verdade não norteiam a sua atuação, e sim e apenas os seus interesses próprios.

Por outro lado, a grande concorrência hoje em dia não é entre jornais ou entre rádios: é entre tudo, pela nossa atenção. Livros, programas de televisão, jogos de vídeo, jornais, rádios, exposições, brunches, tudo está no mercado de disputar a nossa atenção, o nosso tempo, que é finito.

Portanto, não só explodiu a oferta de “conteúdos” em geral como explodiu também o nosso acesso a formas de entretenimento e “informação” que excedem em absoluto a nossa capacidade de a todas consumir. Quantas vezes lhe aconteceu ir para a cama com a intenção de ler umas páginas daquele livro, mas depois fica a dar uma vista de olhos no instagram até já não ter vontade de ler? Pois.

Tudo isto coincide, claro, com a afirmação dominadora das redes sociais nas nossas vidas. Estas são uma espécie de agregadores de conteúdos, em que vídeos de gatinhos (que eu adoro) aparecem misturados com notícias propriamente ditas, fotografias de antigos colegas de escola, publicidade e objetos de pura propaganda (inclusivamente política ou ideológica) mascarados de coisas sérias. Também aqui, os media se deixaram embalar. Com as promessas do tráfego que os facebook desta vida trariam para os seus sites, deram o seu trabalho de borla.

Por último, um fenómeno pouco falado, mas que tem claramente impacto nas receitas dos media tradicionais, o advento dos influencers. Eu próprio, até há pouco tempo, não tinha noção do dinheiro que esta atividade movimenta, mas é muito. E é investido pelas mesmas marcas que, antigamente, publicitavam nos media. Agora, paga-se a uma figura conhecida e com muitos seguidores para dizer bem de um produto, e o algoritmo garante que aquilo vai chegar diretamente aos consumidores mais propensos para o comprar. É dinheiro que vem do mesmo orçamento publicitário das empresas, mas dividido de uma forma bem diferente.

Agora, paga-se a uma figura conhecida e com muitos seguidores para dizer bem de um produto, e o algoritmo garante que aquilo vai chegar diretamente aos consumidores mais propensos para o comprar. É dinheiro que vem do mesmo orçamento publicitário das empresas, mas dividido de uma forma bem diferente.

Foi, portanto, esta tempestade perfeita que nos trouxe onde estamos hoje. Há mais, mas simplifico.

Não quer isto dizer, de todo, que os media não tiveram responsabilidade. Muitos tiveram má gestão, praticamente todos reagiram demasiado tarde e não tiveram visão, e os próprios jornalistas foram deixando que o seu trabalho se degradasse, contribuindo para o seu descrédito e para o da comunicação social em geral.

Onde estamos?

Olhemos, primeiro, para o estado da comunicação social em Portugal, que tem em si realidades muito diferentes, desde o pequeno jornal regional ao conglomerado televisão+jornal+sites, com todas as variáveis pelo meio. O que podemos dizer, simplificando, é que tendencialmente a dimensão dos grupos é relevante, nomeadamente aqueles que têm mais do que um formato (televisão, rádio, imprensa escrita). Isto é fácil de entender porquê. Com vários formatos, com níveis de decadência e maturidade diferentes, há mais hipóteses de umas coisas irem compensando as outras, em dias maus. Por outro lado, há grandes sinergias de estar num grande grupo multiformato. É mais fácil atrair um anunciante que, por determinado preço, tem exposição a diferentes meios e formatos; e os custos de funcionamento são diluídos (um grupo pode ter cinco revistas, uma rádio e uma televisão, mas ter apenas um departamento de recursos humanos, a título de exemplo).

No entanto, também aqui há uma peculiaridade que, não sendo portuguesa, tem entre nós maior impacto: nós somos contra os grandes grupos. A própria lei e as incumbências da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) preveem a defesa não apenas da independência dos órgãos de comunicação social mas também da sua pluralidade, entendendo que é importante para a democracia que a produção de informação não esteja nas mãos de dois ou três grandes grupos, com o poder que isso acarreta. Acontece que, tendencialmente, quanto maiores forem os grupos maiores as possibilidades de os títulos sobreviverem e serem rentáveis. A contradição entre estas duas realidades não passou despercebida a Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, que tutela a área. Na sua última passagem pelo Parlamento colocou essa questão e admitiu não ter uma solução. Eu também não tenho.

Regra geral, o panorama é o seguinte: temos os projetos mais pequenos e/ou com mais anos com a corda na garganta; temos grandes grupos que fazem da sua dimensão, sinergias e diferentes plataformas a estratégia para ter rentabilidade (e mesmo assim, alguns têm milhões e milhões de dívida acumulada às costas); temos players médios muito ligados ao papel que estão em dificuldades, variando apenas o grau; outros vivem eternamente em prejuízo, mas beneficiando da propriedade de grupos económicos que os encaram como um importante contributo para a sociedade; temos ainda organizações que têm por base motivações políticas, com graus diferentes de sustentabilidade e de sucesso; e temos alguns projetos interessantes já nascidos em formato digital, mas cujo financiamento não é fácil ou que contam com acionistas com bolsos fundos. Do mais interessante que tem surgido de novo no meio, em Portugal, nos últimos anos, destaco dois produtos de base digital de raiz: a Mensagem e o Observador. Surgiram jornais, também, mas enfrentando naturalíssimas dificuldades de afirmação e um futuro incerto.

Regra geral, o panorama é o seguinte: temos os projetos mais pequenos e/ou com mais anos com a corda na garganta; temos grandes grupos que fazem da sua dimensão, sinergias e diferentes plataformas a estratégia para ter rentabilidade (e mesmo assim, alguns têm milhões e milhões de dívida acumulada às costas); temos players médios muito ligados ao papel que estão em dificuldades, variando apenas o grau; outros vivem eternamente em prejuízo, mas beneficiando da propriedade de grupos económicos que os encaram como um importante contributo para a sociedade; temos ainda organizações que têm por base motivações políticas, com graus diferentes de sustentabilidade e de sucesso; e temos alguns projetos interessantes já nascidos em formato digital, mas cujo financiamento não é fácil ou que contam com acionistas com bolsos fundos.

Como saímos do buraco?

Aqui chegados – se teve paciência para me acompanhar nesta deambulação – há duas formas de ver a questão. Mas, primeiro, uma premissa: não há mercado, não há procura, para tantos órgãos de comunicação social. As pessoas não têm tempo, satisfazem-se com os títulos lidos à pressa nas redes sociais, estão descrentes do jornalismo, gastam o dinheiro noutras coisas.

O que esta premissa, na qual acredito, implica, é o seguinte: deixados às leis do mercado, da oferta e da procura, muitos órgãos de comunicação social vão fechar. Já deviam, aliás, ter fechado há muito, porque não têm mercado que os sustente.

Perante isto, temos duas vias: ou consideramos que, sendo uma pena, é a lei da vida, e o mercado é que manda; ou defendemos que a existência e até fortalecimento dos órgãos de comunicação social é de tal forma importante que devem ser “artificialmente” suportados, em nome do interesse público e de um contributo social e democrático.

Se acha que o mercado é que manda, pode parar de ler por aqui. O assunto resolve-se por si, como estamos a ver e veremos ainda mais no futuro. Como diz um amigo meu, também jornalista: “não é preciso bater mais no jornalismo, daqui a pouco ele acaba”. Já se entende que o papel desempenhado pela comunicação social, nas suas várias vertentes, é importante para a nossa saúde democrática, continue mais um pouco comigo.

Mas, primeiro, uma premissa: não há mercado, não há procura, para tantos órgãos de comunicação social. As pessoas não têm tempo, satisfazem-se com os títulos lidos à pressa nas redes sociais, estão descrentes do jornalismo, gastam o dinheiro noutras coisas.

Eu acredito que, por mais esforço e transformação que estas organizações façam, com todo o contexto elencado anteriormente, a grande maioria não terá capacidade de fazer um bom trabalho e, em última análise, de sobreviver, se tiver de viver e funcionar com as receitas que gerar. Eu sei que é assim que a economia funciona, mas um jornal não é um talho, sendo ambos importantes.

Nem tudo fechará, naturalmente. A dimensão natural do nosso mercado poderá suportar, eventualmente, um semanário, um jornal desportivo (provavelmente não diário), várias televisões, várias rádios, dois jornais diários generalistas, uma newsmagazine semanal, alguns sites já nascidos assim e algumas publicações mensais. O que significaria, face ao que existe agora, o encerramento da maior parte dos títulos. Podemos achar que o que sobra é suficiente, num País que pouca informação jornalística consome além dos noticiários da televisão. Mas o que se perde é diversidade, a tal pluralidade, marcas e jornalistas em número, capacidade e experiência. Um bom jornalista acrescenta sempre, nunca é redundante, nunca está a mais.

O que significa, para quem defende que é preciso encontrar formas de apoiar os meios para além da sua própria capacidade de gerar receitas, que temos de discutir o como. E é aqui que a porca torce o rabo. É que entre as várias culpas que o próprio meio tem nesta crise está o facto de nunca ter estado minimamente unido, nem ter reconhecido as ameaças comuns que enfrentava de forma a conseguir estabelecer pontes. E neste tema a divisão mantém-se. Um bom exemplo foi o programa público de compra por publicidade estatal, de emergência, no pico da pandemia. Também aqui, vimos o Observador recusar e acusar todos os outros grupos que aderiram de estarem a ser comprados pelo Governo. Assim não vamos lá, de facto.

Os que estão bem (por agora) não querem que o Estado apoie quem está mal; quem tem acionistas ricos, desdenha do apoio público; quem tem acesso ao crédito, por mais dívida que tenha acumulada, também. Os que estão mal têm vergonha de pedir apoio público. E aqueles que estão bem por mérito próprio, porque foram mais capazes que os outros, não querem ver esse seu esforço desvalorizado por subsidiarmos quem não o fez. É um argumento justo.

Os que estão bem (por agora) não querem que o Estado apoie quem está mal; quem tem acionistas ricos, desdenha do apoio público; quem tem acesso ao crédito, por mais dívida que tenha acumulada, também. Os que estão mal têm vergonha de pedir apoio público. E aqueles que estão bem por mérito próprio, porque foram mais capazes que os outros, não querem ver esse seu esforço desvalorizado por subsidiarmos quem não o fez. É um argumento justo.

Falando diretamente, há duas formas de apoiar os media: uma privada e uma pública. Da privada temos alguns exemplos, como é o caso do Público, que apesar de perder dinheiro cronicamente é orgulhosamente mantido no universo da Sonae, que todos os anos ganha muito dinheiro a vender-nos outras coisas. Não temos assim tantas grandes empresas no País, mas temos as suficientes para que outras pudessem copiar essa iniciativa. É uma pena que não o façam.

Depois há a via do mecenato. Por que razão uma empresa tem benefícios fiscais relevantes se apoiar práticas de mérito público como o bailado contemporâneo ou o museu da marioneta, mas não tem os mesmos se apoiar um jornal, uma revista ou uma rádio? O que não falta neste País são fundações, na sua maioria ligadas a trabalho social e cívico desempenhado pelas grandes empresas, que querem devolver à sociedade parte da riqueza que esta lhes deu. A Sonae fá-lo sem benefícios e sem que a independência editorial do Público alguma vez tivesse sido questionada. Será que outros, com benefícios, o fariam? Acredito que sim. Basta uma alteração legislativa muito, muito simples. Basta, na verdade, ter vontade.

E depois há a via pública (sendo que a proposta anterior é mista, porque junta também a componente privada).

Há uns largos anos, o Estado português decidiu que era preciso apoiar as artes (nomeadamente através da lei do mecenato) e garantir fundos públicos para a produção cinematográfica. Porquê? Porque o mercado, o santo mercado, não queria necessariamente ver teatro experimental ou cinema português de autor. Mas foi entendido que era importante para o País que tal continuasse a ser feito. E, apesar de todos os defeitos nos processos de atribuição de fundos, a verdade é que por essa via foi possível continuar a desenvolver o cinema português, e fomentar o surgimento de bons argumentistas, realizadores, atores, técnicos, etc. O País gastou dinheiro mas ficou mais rico. Aqui, o mercado não ditou tudo.

E aqui, no que toca à comunicação social, há todo um mundo de possibilidades porque, francamente, o Estado não faz nada. Gera-me indignação cada vez que ouço um político dizer que “o jornalismo e a comunicação social são essenciais para a saúde da democracia”, quando na verdade ninguém no poder político alguma vez mexeu uma palha para resolver estruturalmente os problemas no setor.

E aqui, no que toca à comunicação social, há todo um mundo de possibilidades porque, francamente, o Estado não faz nada. Gera-me indignação cada vez que ouço um político dizer que “o jornalismo e a comunicação social são essenciais para a saúde da democracia”, quando na verdade ninguém no poder político alguma vez mexeu uma palha para resolver estruturalmente os problemas no setor.

E aqui, também aqui, não é preciso inventar nada. É olhar para o que se faz lá fora, nos países civilizados, e escolher entre várias medidas simples e com efeito.

A título de exemplo:

– dar a cada português um vale para que este possa assinar duas publicações anualmente (e pode escolher o que quiser, naturalmente até entre assinatura física ou digital)

– colocar um exemplar de cada título em cada escola (fomentando o contacto dos alunos com a informação jornalística) e em cada centro de saúde, permitindo igualmente o acesso digital a títulos que só existam nesse formato

– garantir a gratuitidade do serviço da Agência Lusa a todos os órgãos de comunicação social (medida com a qual o ministro Adão e Silva concorda)

– compra de publicidade institucional (com conteúdo de informação cívica, como as campanhas de vacinação ou divulgação de apoios públicos que existem mas são muitas vezes largamente desconhecidos pela população) nos meios de comunicação social, que aconteceu pontualmente na altura da pandemia e apenas nalguns meios

– benefício fiscal para os gastos das empresas e organizações com as assinaturas de médio e longo prazo

– plano público de apoio financeiro para restruturação e transformação digital no setor

– mexidas relevantes na lei do mecenato, como explicado anteriormente

Como se vê, alternativas não faltam, e há muitas mais. Podem ser todas tomadas, ou conjugada uma ou outra. O custo para um apoio relevante e decisivo ao setor seria uma gota de água no oceano do nosso Orçamento do Estado, e certamente justificado para promover aquilo que o próprio Estado e os seus agentes afirmam ser “essencial à democracia”.

E atenção, eu não compro a teoria de que os políticos e decisores não aprovam apoios porque querem manter o povo “estúpido”. Acho que é uma coisa bem mais simples: não querem que se pense que estão a querer controlar a informação. E é devido a esse pavor que, ano após ano, governo após governo, orçamento após orçamento, nada acontece. Enquanto choram lágrimas de crocodilo em nome da perda para a democracia.

E atenção, eu não compro a teoria de que os políticos e decisores não aprovam apoios porque querem manter o povo “estúpido”. Acho que é uma coisa bem mais simples: não querem que se pense que estão a querer controlar a informação. E é devido a esse pavor que, ano após ano, governo após governo, orçamento após orçamento, nada acontece. Enquanto choram lágrimas de crocodilo em nome da perda para a democracia.

Em última análise, há a nacionalização, que tem sido falada no caso mais extremo da Global Media. Seria a pior solução mas ainda assim melhor que a falência e o encerramento. Não querendo entrar em populismos, não entendo como podemos achar normal e perfeitamente aceitável que o Estado injete centenas de milhões de euros na Efacec (e pagando os salários dos trabalhadores durante dois anos) e recue terminantemente numa suposta linha vermelha que seria a nacionalização temporária de títulos centenários e outros emblemáticos (que poderiam ser restruturados e posteriormente vendidos).

As contas são muito simples: com o dinheiro que o Estado colocou na Efacec (e nada me move contra a decisão ou a empresa) seria possível que TODO o setor da comunicação social se restruturasse de forma a ficar mais preparado para o futuro e limpasse boa parte da dívida. E sobrava dinheiro para os muitos anos seguintes.

A prosa já vai longa e peço desculpa se macei o leitor que me fez a gentileza de chegar até aqui.

Concluo: o problema é complexo, não tem um único culpado nem uma única solução. Tanto são aceitáveis os argumentos de que o mercado é que manda e é normal as empresas morrerem como o de que é necessário criar condições excecionais para proteger algo que tem (ainda) um papel estruturante no nosso tecido democrático.

O que não podemos é dizer que a imprensa é essencial à democracia e não fazer nada para a tentar salvar.

Despeço-me com um pedido. Assine um jornal, um site ou uma revista. Ouça uma rádio de informação, desfrute de um noticiário televisivo bem feito (também os há, pelo meio do espetáculo). Não para apoiar, porque isso, por si, não resolverá. Mas porque certamente ganhará mais do que com o tempo que gastaria a ver os viciantes vídeos com gatinhos ou os disparates misturados com insultos que fazem vítimas nas redes sociais (a maior delas a nossa inteligência).

Viva o jornalismo. Viva a democracia.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.