Existe um limite físico para aquilo que o nosso olhar consegue alcançar. O horizonte, essa linha imaginária, que circunscreve o que “está para lá” e o que “está para cá”, é, não raras vezes, a fronteira que nos coloca entre “nós” e os “outros”, como se, também nós, não fossemos, nalgum lugar, “os outros”. O entendimento filosófico do conceito remete-nos para aquele sentido que nos impede de penetrar e, consequentemente, compreender o que não vemos, o que está para lá do nosso horizonte. Concentrados que estamos no que acontece à nossa vista, esquecemo-nos, com frequência, que, do outro lado, existe sempre uma realidade particular a acontecer, mesmo que não nos seja possível de a ver. E, normalmente, ao esquecimento sobrevém a indiferença e, em consequência, o abandono. É assim na nossa vida pessoal. É assim, também, na nossa vida em sociedade.
Vivemos num mundo multiplexo (Amitav Acharya), um mundo com desafios múltiplos, complexos e intercruzados, com uma diversidade cada vez maior de intervenientes na ordem internacional. Aos desafios, denominamos de crises. Crise climática, crise migratória, crise financeira, crise alimentar, crise da habitação, crise da educação, crise sanitária… E todas estas crises interligadas não são meros fenómenos sociológicos. As crises são pessoas em agonia. Pessoas que urge resgatar, num mundo ávido de reparação, qualquer que seja o lado do horizonte que habitam, quer nos seja possível de as ver ou não. Um mundo que pede um olhar global, por contraponto aos silos em que nos habituámos a viver. Um olhar capaz de atravessar a barreira do horizonte e, assim, ousar soluções holísticas entre as diferentes dimensões da realidade social. Um mundo que reclama por pessoas de olhar largo, abertas a uma pluralidade de possibilidades que abarcam soluções para além daquelas que cada uma, individualmente, consegue compreender e encontrar.
Um mundo que reclama por pessoas de olhar largo, abertas a uma pluralidade de possibilidades que abarcam soluções para além daquelas que cada uma, individualmente, consegue compreender e encontrar.
No atual debate político que se faz na esfera pública, e que antecede o ato eleitoral de 10 de março, esta reflexão sobre os desafios globais que, coletivamente, enfrentamos e, aos quais, apenas coletivamente conseguiremos responder, tem estado totalmente ausente da discussão. Precisamente, aqueles desafios que nos convocam a um olhar 360º sobre o real e a estabelecer políticas coerentes, interligando as várias áreas da governação. Políticas formuladas e implementadas de forma a contribuírem para o desenvolvimento de todas as pessoas em todos os lugares. Tudo isto não tem sido assunto.
Priorizar a política de ação externa, na interligação que tem com várias áreas governativas – migrações, comércio e finanças, alterações climáticas, segurança, segurança alimentar… – pode ser a lente que nos alarga o olhar. Em concreto, a Cooperação para o Desenvolvimento e a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, dois poderosos instrumentos de solidariedade internacional na resposta à erradicação da pobreza e às desigualdades globais, são os mecanismos políticos que permitem aos decisores agir num mundo global, interligado e interdepende, evitando que os esforços de desenvolvimento de alguns países embatam com os esforços de desenvolvimento de outros. Treinar o olhar para lá do horizonte que conseguimos alcançar é um exercício que exige persistência (individual e coletiva) e, sobretudo, vontade (pessoal e política).
E será no encontro de vontades entre sociedade civil, decisores políticos, governos e as diversas instituições nacionais, europeias e internacionais, que se gerarão novos e fecundos dinamismos sociais em Portugal e no mundo.
E será no encontro de vontades entre sociedade civil, decisores políticos, governos e as diversas instituições nacionais, europeias e internacionais, que se gerarão novos e fecundos dinamismos sociais em Portugal e no mundo. A próxima legislatura pode abrir possibilidades de um novo desenvolvimento e conduzir Portugal à centralidade: a dignificação de todas as pessoas em todos os lugares, através da instituição de políticas justas, coerentes e sustentáveis, num permanente diálogo entre decisores e sociedade civil. Assim cada um ouse fazer a parte que lhe cabe, a caminho para lá do horizonte.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.