Para uma leitura proveitosa da Bíblia é necessário estar consciente dos géneros literários, através dos quais se expressa “em linguagem humana aquilo que Deus quis dizer para nossa Salvação”[1]. Para além disso, quando um cristão lê a Bíblia não pode deixar de estabelecer pontes entre o que lê e a pessoa de Jesus. É Jesus Cristo que dá, aos que n’Ele crêem, o seu Espírito. A Igreja ensina que o mesmo Espírito Santo que ontem inspirou a escrita, inspira hoje a leitura. Por isso a leitura da Sagrada Escritura é um exercício espiritual.
Como podemos buscar, no que está escrito, uma inspiração espiritual que traga sentido novo – e relevante – à vida quotidiana? Esta pergunta foi posta pelos cristãos desde os primeiros séculos, e levou a que a que a partir da Idade Média[2] se passasse a falar em quatro sentidos que podem emergir na leitura da Bíblia:
1. literal (o que diz o texto?);
2. alegórico (que diferença faz para a minha fé em Jesus Cristo?);
3. moral (como motiva a minha caridade e responsabilidade?);
4. anagógico (como inspira e anima a minha esperança?).
Podemos então concluir que, para ler a Bíblia, é necessário compreender o ambiente em que as Escrituras surgiram, alcançar o sentido da sua mensagem e buscar o tempo e o modo da sua actualização.
Estes sentidos tornaram-se de tal forma relevantes na compreensão do texto bíblico que um autor medieval chega a dizer que sobre eles, “como se fossem rodas, se move toda a sacra pagina”[3]. Tudo então nos leva a concluir que para progredir na leitura pessoal da Escritura é necessário um método. A esse método a tradição da Igreja chama Lectio Divina. É este o modo como ao longo dos séculos se foi exercitando – sobretudo em contexto monástico[4] – a leitura contínua da Sagrada Escritura. Na sua versão mais antiga (A Escada dos Monges, de Guigo II) este método é composto por quatro passos, que posteriormente são completados por outros três:
1. Lectio: leitura atenta da Palavra de Deus,
2. Meditatio: meditação à procura do sentido da Palavra,
3. Oratio: oração de resposta à Palavra escutada,
4. Contemplatio: contemplação (visão) da Palavra incarnada na história humana,
5. Discretio: discernimento (procura) da vontade de Deus à luz da Palavra,
6. Collatio: confronto do meu entendimento da Palavra com o de outros,
7. Actio ou Operatio: a acção como efeito ou fruto da Palavra.
Podemos então concluir que, para ler a Bíblia, é necessário compreender o ambiente em que as Escrituras surgiram, alcançar o sentido da sua mensagem e buscar o tempo e o modo da sua actualização. Estas são as “escadas” e as “rodas”, que nos ajudarão a “subir” na compreensão, “andando para a frente” e sentindo que estamos a tirar proveito.
[1] Constituição Dei Verbum, Concílio Vaticano II.
[2] Com autores como Hugo de S. Vitor e Nicolau de Lyra.
[3] Guiberto de Nogent, Moralia in Genesim. Patrologia Latina 156, 25
[4] São relevantes os nomes de Orígenes, S, Ambrósio, S. Agostinho, S. Bento e toda a tradição beneditina, chegando até à obra de Guigo II, Scala Claustralium.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.