A alternativa da esperança

A esperança é uma forma de manter em aberto todas as possibilidades e de poder ultrapassar com êxito todos os desafios num prazo maior ou menor, apesar da multitude de incertezas, do peso do sofrimento e da crueldade da injustiça. 

A esperança é uma forma de manter em aberto todas as possibilidades e de poder ultrapassar com êxito todos os desafios num prazo maior ou menor, apesar da multitude de incertezas, do peso do sofrimento e da crueldade da injustiça. 

Neste tempo de Advento, que para os cristãos é um tempo de preparação do nascimento de Jesus, o Salvador – o Ponto SJ convidou quatro personalidades não crentes a refletirem sobre a esperança. Nos quatro domingos do Advento publicaremos quatro reflexões sobre a esperança, que é também o tema proposto pelo Papa Francisco para o Jubileu que se assinalará em 2025.

Hoje publicamos o primeiro artigo, assinado pelo professor universitário da área da psicologia Leonel Garcia-Marques.

 

A esperança é frequentemente associada a crenças religiosas, vista como uma virtude fundamentada na fé em algo transcendente.

Contudo, a esperança também é indeclinável no contexto de uma visão agnóstica, emergindo não da certeza de um plano divino, mas inerente à condição humana.

Para os agnósticos, a esperança pode ser entendida como uma resposta inevitável à experiência de viver em um mundo repleto de incertezas, sofrimento, injustiças, mas também de desafios e possibilidades. Creio que a esperança é uma forma de manter em aberto todas as possibilidades e de poder ultrapassar com êxito todos os desafios num prazo maior ou menor, apesar da multitude de incertezas, do peso do sofrimento e da crueldade da injustiça.

A esperança é semelhante na sua relevância social, a conceitos como a empatia, a confiança ou a reciprocidade e deve, creio eu, ser encarada sob o chamado véu da ignorância. Um exercício concebido pelo grande filósofo moral norte-americano, John Rawls. O véu da ignorância é um exercício mental realizado a partir da comparação de sociedades reais ou imaginadas e da opção por existir num desses mundos, contudo, sem saber a posição que se ocuparia na sociedade. As opções que tomássemos poderiam ser depois usadas para identificar os princípios morais, políticos ou outros que melhor contribuíssem para uma sociedade mais equitativa. Vamos a isso?

Dêmo-nos, então, ao trabalho de imaginar um mundo baseado na esperança, na empatia, na confiança nos outros e na expetativa reciprocidade…

Já imaginaram?

E agora, como termo de comparação, imaginemos um mundo sem esperança, sem empatia, sem confiança e sem reciprocidade.

Em qual mundo escolheríamos renascer sem saber se seríamos pobres ou ricos, poderosos ou destituídos, populares ou impopulares?

Sem dúvida, no primeiro destes dois mundos.

Mesmo que muitas esperanças se não concretizem, que muitas vezes falhemos em sentir a empatia necessária para compreender, que alguns de nós possam não merecer, às vezes ou mesmo nunca, a confiança dos outros e que as muitas expetativas de reciprocidade saiam defraudadas. E até é precisamente nesses casos, que o maior valor do mundo da esperança se faz melhor sentir.

Aliás, para muitos agnósticos que aceitam a ausência de um propósito cósmico, essa mesma aceitação pode levar à liberdade filosófica última: se não há um destino, então cabe a cada um de nós (re)criar o mundo todos os dias. É a nossa responsabilidade existencial, sabendo sempre que vamos inevitavelmente errar, e que pouco mais podemos fazer do que tatear as escolhas entre os mundos potenciais que a vida nos oferece. Esse ato de criação é um ato de esperança em si mesmo, pois pressupõe a aposta de que a vida vale a pena ser vivida. 

Aliás, para muitos agnósticos que aceitam a ausência de um propósito cósmico, essa mesma aceitação pode levar à liberdade filosófica última: se não há um destino, então cabe a cada um de nós (re)criar o mundo todos os dias. É a nossa responsabilidade existencial, sabendo sempre que vamos inevitavelmente errar, e que pouco mais podemos fazer do que tatear as escolhas entre os mundos potenciais que a vida nos oferece. Esse ato de criação é um ato de esperança em si mesmo, pois pressupõe a aposta de que a vida vale a pena ser vivida.

Outro tanto se pode dizer sobre os crentes no propósito divino. Isto porque, mesmo que o propósito divino exista, ele é, pelo menos em grande parte do tempo, humanamente indecifrável. Assim a responsabilidade existencial de um crente na criação de mundos, em especial a de um cristão, é assim, tão ou mais premente que a de um agnóstico.

Não creio que a esperança seja facultativa, será existencial. Mesmo que não seja fácil mantê-la no mundo de hoje, com fé ou sem ela.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.