I. Ao terceiro dia ressuscitou
O “terceiro dia”, um tempo nosso
Esta expressão “ao terceiro dia…” é, na Escritura, um modo próprio de indicar o tempo certo para reencontrar e recuperar a vida perdida ou alcançar uma nova forma de viver,de entender e de ver as realidades mais profundas que escapam aos olhos da cara. Já a encontramos no profeta Oseias:“Ele dar-nos-á de novo a vida em dois dias; ao terceiro dia nos levantará e viveremos na sua presença”(Os 6,2). Encontramos a expressão muito mais vezes do que parece e até no Novo Testamento, por exemplo, quando Maria e José perdem Jesus, aos doze anos, e o reencontram, renovado pela Casa do Pai, ao terceiro dia (Lc 2, 46).
Não é Jesus que fica “suspenso” três dias entre a sua morte e a sua ressurreição. Nós é que precisamos de um certo tempo para o reencontrar e captar a sua nova forma de presença e modo de estar connosco, depois da sua morte. E isso pode levar o seu tempo: dias, anos, meses. Um primeiro tempo (“ primeiro dia”) é de confusão, vazio e talvez revolta. Um “segundo dia” pode ser um longo percurso de busca e de conversão: um processo de aceitação para chegar “ao terceiro dia” em que se começa a ver tudo com uma nova luz e consolação. Ao “terceiro dia” encontramos o ressuscitado!
O túmulo estava vazio
Quando naquele domingo de Páscoa, logo de madrugada, as mulheres e os discípulos foram ao sepulcro (ainda nem dois dias tinham passado!) encontram-no vazio. Este vazio está cheio de mensagem! Os anjos lançam um anúncio fundamental: “Não andeis à procura d’Ele onde Ele não está!”. E a ausência do cadáver é um forte sinal sacramental. Tudo se transfigura, e a Ressurreição não é a recuperação do corpo físico, mas a aquisição um novo corpo – corpo espiritual, diz SãoPaulo (1 Cor 15, 44) – que só se vê com os olhos da Fé, quando nos deixamos tocar pela sua nova presença: não só pelo fenómeno místico de uma aparição, mas também pela transformação que a graça opera em nós. Poderemos, então, “vê-Lo”na vida dos nossos irmãos e, emparticular, nos mais pequenos– (isto é: na Galileia! (Mt 28,10). E ainda:vemo-Lo a agir em toda a criação, e presente onde dois ou três estão reunidos em oração, bem como nos apelos interiores e na missão recebida, e na união que edifica a Igreja pela fracção do pão. Tudo isso nos é dito pelo túmulo vazio, através da “voz do anjo”: “Não está aqui!” (Lc 24,6).
O ritmo do luto
Tal como na morte de Cristo há um apelo a encontrá-Lo presente na sua nova Vida de ressuscitado, também na nossa experiência de dor e de perda, perante a morte dosoutros, nossos irmãos, somos desafiados a fazer um caminho de reconciliação com essa perda. Ou seja: como fazer um luto cristão? Como chegar “ao terceiro dia”?
Se Cristo ressuscitou, também nós ressuscitamos! (1 Cor 15,16). Acreditar nesta verdade essencial da Fé cristã predispõe-nos a iniciar um caminho interior e exterior para chegar ao Terceiro Dia. Isto é, chegar à paz possível perante a morte. Há quem permaneça na escuridão e conflito do Primeiro Tempo; e há quem se perca num Segundo Tempo de dor e incompreensão… Mas também há exercícios espirituais que permitem ir fazendo um luto verdadeiro. Nem esquecimento, nem resignação que não passam de aparências de paz a curto prazo. Então, o 1º passo: é agradecer. Agradecer todo o bem recebido e dado na relação com aquele(a) que “partiu deste mundo”. Essa é a herança que fica e ninguém nos tira. Agradecer também as dificuldades acontecidas nessa relação e ver como nos ensinaram. E agradecer que essa relação se tenha completado e já nada a pode estragar. O 2º passo: descobrir que a relação não acaba com a morte, transforma-se. E pode continuar-se com outra linguagem, mais interior. Entender que se rezo a Cristo, rezo a (e com) todos aqueles que “adormeceram em Cristo”. Mais: quando se comunga o Corpo de Cristo, comungamos com todos os que formam o Corpo místico de Cristo. O 3º passo: dar-se conta de como a morte, as perdas e as faltas, nos podem fazer crescer e amadurecer: ganhar em maturidade e em capacidade de relativizar tanta coisa que não é essencial; e tornar-nos mais próximos e compassivos com aqueles que sofrem. Há aqui uma grande sabedoria, própria dos cristãos, como alguém disse: transformar as feridas em bênçãos.
A vida, um caminho purgatório
A vida humana, inspirada pelo Espírito de amor, de justiça e de verdade é um caminho para Deus-Pai, através da purgação do egoísmo. Jesus veio chamar-nos e dar-nos a graça para esse caminho “purgatórico” de toda a idolatria, da mentira e da violência. Podemos chegar à morte física, que nos desagua em Deus, ainda com muito (ou pouco) por purgar. Mas o abraço de amor do Pai, como Ele o deu ao filho mais novo da parábola de Lucas (Lc 15, 11 ss), faz-nos dar a “volta ao estômago”: esse per-dom misericordioso nos converte plenamente, nos completa o purgatório e faz entrar na Festa, no Banquete da eternidade, no Céu. E assim só não entrará quem com plena consciência e liberdade não queira mesmo entrar.
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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.