1.
ABERTURA DA IGREJA AOS RECASADOS
A irreversibilidade do acolhimento
Até que ponto a atitude de acolhimento dos recasados, preconizada pela Exortação Apostólica Amoris Laetitia, poderá ser irreversível na vida da Igreja? Esta foi uma das questões repetidas desde março de 2016, quando o Papa Francisco publicou este documento.
A irreversibilidade do ensinamento papal dependerá sempre do modo como as diferentes igrejas locais fizerem suas as orientações de cada documento do magistério, tornando-as significativas para o contexto em que vivem. Consciente disso mesmo, o Papa convocou as Igrejas locais desde o primeiro minuto do seu pontificado, em total consonância com as indicações do Concílio Vaticano II.
Podemos dizer que 2018 foi, no contexto da Igreja Portuguesa, o momento em que o acolhimento dos recasados se tornou irreversível. Seguindo o estabelecido no capítulo VIII da Amoris Laetitia, diferentes dioceses apresentaram documentos pastorais em que se indica o caminho a seguir neste processo de acolhimento.
O espírito com que estes documentos foram sendo apresentados pode ser sintetizado por uma citação do arcebispo italiano, D. Erio Castellucci: “Somos chamados a passar de uma pastoral da perfeição para uma pastoral da conversão: a meta, a doutrina, continua a mesma, mas evidencia-se a necessidade de acompanhar em direção à meta e não de sentar-se na meta a apontar o dedo a quem está a fazer o caminho.” Esta mesma citação foi feita por D. Jorge Ortiga, arcebispo primaz de Braga, quando apresentou em janeiro a carta pastoral “Construir a casa sobre a rocha”.
Mas se esta atitude se vai tornando irreversível à medida que vai sendo integrada na vida concreta de cada comunidade, teremos de recordar que, justamente por estarmos a caminho, ela não pode ser entendida como um dado adquirido. A polarização de reações, à volta de alguns dos documentos publicados, demonstra-nos que esta atitude de acolhimento e encontro pedida pelo Papa terá de ir sendo forjada como um processo.
Vídeo de animação em espanhol.
2.
FAMÍLIA DINIZ – UMA ADOÇÃO SUPREENDENTE
A adoção de uma criança deficiente que promove uma sociedade mais inclusiva
Na reportagem que deu a conhecer ao mundo a história da Família Diniz (publicada no Diário de Notícias de 3 dez 2018), há uma frase chave: “Não subestime o poder do amor”. Foi dita pelos médicos que acompanhavam a situação clínica de Bernardo, deficiente profundo, quando o ainda candidato a pai adotivo, Rui, perguntou o que poderiam fazer por esta criança com 99% de incapacidade. O Bernardo precisava apenas de cuidados, de amor, e foi essa frase decisiva que levou os Diniz, já com quatro filhos, a dar este passo de coragem, acolhendo-o como novo membro da família. Aconteceu há seis anos, na altura o menino tinha apenas três, e vivia numa instituição.
Com este gesto de amor, Carmo e Rui, os seus novos pais, e Clara, Carmo, Vasco e Vera, os seus novos irmãos, mudaram para sempre a vida de Bernardo. Arriscaram alargar a família – tal como arriscam muitos casais que escolhem o caminho da adoção – e ela tornou-se grandiosamente melhor, como gostam de sublinhar pois, apesar de não ver, não falar (apenas algumas palavras) e andar com muita dificuldade, Bernardo trouxe uma felicidade difícil de expressar. O menino, agora com 9 anos, encontrou uma família que cuida dele, uma escola que o acompanha nas suas capacidades e limitações, uma paróquia que aprendeu a acolhê-lo e toda uma comunidade que foi vencendo a barreira da deficiência, aprendendo a ver a pessoa para lá das suas incapacidades.
Mas a família Diniz não ficou por aqui. À medida que foi embatendo nas dificuldades e barreiras que enfrentam todas as famílias com filhos deficientes, foi procurando também as soluções. Foi criando ela própria novas soluções. Bernardo não conseguiria fazer o mesmo percurso escolar dos irmãos, a mesma caminhada de fé, era preciso pensar em caminhos novos. Carmo e Rui começaram pela sua paróquia, envolvendo o pároco e a comunidade local na procura de propostas para as pessoas com deficiência, depois passaram para a paróquia do lado e, já na sua diocese, criaram este ano o projeto “Rampas para Jesus”, que, como o nome indica, ajuda a aproximar estas pessoas da fé.
Também neste ano de 2018, Carmo e Rui saíram do meio eclesial e social e lançaram-se no meio académico, associando-se à Nova School of Business and Economics, criando o Inclusive Community Forum, um centro de estudos e laboratório de ideias que pretende promover uma sociedade mais inclusiva para pessoas com deficiência. Mais um caminho aberto e de esperança, que parte de uma experiência pessoal, mas que deseja servir a todos. Como escrevia Carmo Diniz num artigo no Ponto SJ: “se eu fico cego perante a deficiência, não consigo ver a pessoa que tenho pela frente, então quem tem um problema sou eu”.
3.
SÍNODO DOS BISPOS SOBRE OS JOVENS
Uma nova forma de ser Igreja
Para alguns, o documento final que saiu do Sínodo dos Bispos sobre os Jovens soube a pouco, ficando aquém do que os jovens pediam à Igreja e do que poderia ter resultado, em concreto, deste encontro. Mas a realização de um sínodo onde os jovens puderam falar direta e abertamente com os bispos foi, só por si, um sinal de encontro. Da Igreja consigo mesma, na medida em que os mais novos fazem parte do corpo eclesial embora estejam, habitualmente, arredados dos órgãos de decisão; e da Igreja com o mundo, com os jovens que ainda não conhecem Jesus, pois muitos dos assuntos que foram debatidos e analisados (desde o mundo digital, ao acompanhamento dos jovens, passando pelo trabalho e a sexualidade) também lhes dizem respeito e é também a eles que a Igreja aspira chegar.
Um encontro que se fez ao longo de uma caminhada sinodal, onde a juventude se pode pronunciar no início do processo sobre os temas mais importantes, através de um inquérito, mas também reunir-se pessoalmente com o Papa, num acontecimento que funcionou como um pré-sínodo e no qual participaram três portugueses. No final deste percurso, ao longo dos 28 dias que durou a Assembleia Sinodal, o encontro fez-se de forma mais direta entre os bispos e os representantes da juventude. Através da escuta e da partilha das palavras, mas também de momentos de convívio e peregrinação, pelos arredores de Roma rumo ao túmulo de São Pedro. Sinal de uma igreja em saída, a caminho, e que quer contar com todos, sublinhou o Papa Francisco, o grande promotor deste encontro.
4.
SOLIDARIEDADE APÓS INCÊNDIOS – ADRO FAJÃO-VIDUAL
Projeto de apoio às populações afetadas pelo incêndio 2017
No dia a seguir ao incêndio de 15 de outubro, o pai e o irmão de Joana Moreira correram para Fajão, aldeia que vira nascer o lado paterno da família, e acabara de ser varrida pelo fogo. Ao telefone, relataram o que ainda era difícil de imaginar: ninguém estava preparado para assistir ao que lá se passara. Apesar de os habitantes terem sobrevivido, e apenas 15 casas desta encantadora aldeia do xisto terem sido queimadas, todos acharam que iam morrer naquela noite. Uma semana depois, quando lá chegou, Joana – antiga escoteira (Associação Escoteiros de Portugal) e professora do primeiro ciclo – fez a sua própria leitura dos acontecimentos: Fajão estava mergulhada num luto profundo.
A mobilização começou na hora, com a criação de um grupo de whatasap, onde Joana e o irmão juntaram os que tinham ligação a Fajão e queriam ajudar. Nascia o ADRO Fajão-Vidual: projeto de Apoio do Desenvolvimento Recuperação e Ordenamento das aldeias afetadas pelo incêndio da freguesia de Fajão-Vidual. Um trabalho movido pelo amor, sustentado pela convicção de que “pouco é melhor do que nada”, e pela certeza de que “quem quer fazer arranja tempo e quem não quer arranja uma desculpa”.
É no adro das aldeias que tudo acontece, e foi aí o ponto de encontro de centenas de voluntários que acorreram a Fajão nos fins de semana seguintes, e ao longo de 2018. Vieram do norte, do sul, das ilhas e até do estrangeiro (Espanha, Bélgica e Israel), para executar diversas tarefas: limpeza de linhas de água, currais, anexos e terrenos; reposição de tubos de abastecimento de água; reconstrução de vedações, galinheiros, currais; distribuição de alimentos, ração e árvores; limpeza do Rio Ceira.
Além da mão de obra de 1098 pessoas que passaram por esta região, entre amigos, escuteiros, estudantes, ou simples seguidores nas redes sociais que saíram do conforto do seu sofá, ficou em Fajão o convívio, o carinho, a atenção a uma população sofrida. Nas palavras da própria Joana, uma força da natureza e motor deste movimento extraordinário da sociedade civil: “Fomos uma luz de esperança para aquela população. No início puxámo-los, agora caminhamos lado a lado.” Um verdadeiro sinal de encontro entre um Portugal urbano e abastado e um interior esquecido e desertificado.
Veja o vídeo que resume esta iniciativa aqui.
5.
JOANA MARQUES VIDAL: OS APELOS À PERMANÊNCIA
É possível uma melhor justiça, uma separação de poderes mais clara
A substituição de Joana Marques Vidal enquanto Procuradora Geral da República deve ser entendida como um processo normal que decorreu tendo-se cumprido o que a lei estabelece. É legítimo dizer que as instituições funcionaram. Mas que tenha havido tanta gente a pedir que se mantivesse no cargo parece indiciar um certo crescimento da confiança dos portugueses na possibilidade da independência da investigação judicial.
Há muito a melhorar: a morosidade dos processos, o respeito pelo segredo de justiça, o reforço dos meios disponíveis para a investigação ou a legislação mais eficaz no combate à corrupção. Mas a ação de Joana Marques Vidal, o modo discreto como exerceu funções, sabendo distanciar-se de uma excessiva exposição mediática, favoreceu a separação de poderes. O facto de se ter gerado uma certa mobilização, valorizando a sua ação e pedindo a sua permanência, significa uma consciência importante quanto à relevância de alguns valores para a consolidação da democracia. Num tempo em que os populismos espreitam, encontrar marcas de sobriedade e exigência traz-nos alguma esperança.
Francisco Teixeira da Mota foi um dos que defendeu a permanência de Joana Marques Vidal.
https://youtu.be/YcpNeouAPAs
Vote também na categoria PONTO DE INTERROGAÇÃO e PONTO DE LUZ.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.