Comunidade – uma pessoa de pessoas

«A Fidelidade não é [...] uma garantia de bem-estar ou um delicado gozo de sentimentos superficiais. É um humilde reconhecimento do tempo necessário para criar uma comunidade, mesmo que de duas pessoas, e nunca se esgota.»

«La Fedeltà non è, come certe sue contraffazioni di cattiva lega, una garanzia di benessere, o un godimento delicato di sentimenti superficiali. È un’umile conoscenza del tempo necessario per creare una comunità, sia pure di due persone, e non si esaurisce mai»

(Rivoluzione Personalista e Comunitaria, p. 111)

«A Fidelidade não é, como algumas das suas falsificações de má qualidade, uma garantia de bem-estar ou um delicado gozo de sentimentos superficiais. É um humilde reconhecimento do tempo necessário para criar uma comunidade, mesmo que de duas pessoas, e nunca se esgota»

(Rivoluzione Personalista e Comunitaria, p. 111)

O mundo de hoje é um mundo de tribos. Onde cada um tem uma determinada fidelidade, ou melhor, filiação a um ou mais partidos e causas. Talvez já antes fosse assim, mas hoje uma pessoa não pode não ter uma etiqueta, que serve para conceder-lhe “identidade” aos olhos dos outros. E também aos seus próprios olhos. Os “moderados” ou os “de centro” são vistos com desconfiança, sem identidade própria, porque ou se está dentro ou se está fora. Por procurarem ser capazes de dialogar, são acusados de não terem princípios firmes. Hoje é especialmente presente a sociedade dos nós-outros [1]. São contrafações pobres da fidelidade, onde a ligação entre indivíduos muda conforme mudam as etiquetas.

Nesse sentido, a fidelidade é algo bastante mais sólido. E como tudo o que é sólido, pede tempo e energia. Algo sólido não muda porque mudam os ventos ou as preferências, mas mantém-se estável sobretudo nesses momentos. «Nunca se esgota» porque, enquanto comunidade de pessoas, enquanto pessoa de pessoas, mantém-se firme ainda que mudem as individualidades que une. Não se ancora numa certeza (mais ou menos certa) de um bem-estar do eu. Mas numa dinâmica de dar e de receber.

Mas não basta um certo reconhecimento que a construção da comunidade toma tempo. É preciso também ter consciência que não é um processo linear. Tem avanços e recuos. A Pessoa plena só terá a sua salvação na Comunidade plena – e que até lá temos que ter em conta «todos as fraquezas do juízo individual»[2]. Nesta contínua vivência de dar e receber, não se pode entrar em medidas, como se de um fluxo económico se tratasse. Não há uma balança para medir “quanto dei e quanto recebi”. A comunidade forma-se na confiança (fidelidade) de que damos e que recebemos, na confiança de que não interessa a lógica do intercâmbio, e que este não será sempre igual ou “justo”. E por isso, somos humildemente chamados a largar essa lógica.

[1] ‘Noialtri’, no original [Tradução minha]

[2] E. Mounier, Rivoluzione personalista e comunitaria, p. 133 [Tradução minha]

 

Mounier, E., Rivoluzione personalista e comunitaria, DNA 18, Roma 2022