«Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: “Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos”».
(Lc 14, 12-14)
Caminhar com os pobres não é uma invenção da Companhia de Jesus. Quando, em 2019, o P. Arturo Sosa comunicou a toda a Companhia que, para os próximos dez anos, esta será uma das Preferências Apostólicas Universais, não pensou ter inventado a pólvora: fora já com uns dois milénios de antecedência que Jesus Cristo, chamado pelo Pai a anunciar a Boa Nova aos pobres, enviara os seus discípulos a fazer o mesmo.
Dizia o P. Pedro Arrupe: «duvido que um apostolado fácil seja um apostolado real»[1]! Esta missão — que é, precisamente, missão — não é tarefa fácil, e certamente «ninguém pode assumir de ânimo leve o título de pobre»[2]. No entanto, a dificuldade da missão não serve de desculpa àqueles que desejam seguir o Senhor — «Aos homens é impossível, mas a Deus todas as coisas são possíveis» (Mt 19, 26).
Posto que será o Senhor Quem opera, caminhar com os pobres é, antes de mais, uma caminhada de conversão pessoal. Ser pobre — seja tanto em verdade como no papel! — faz parte da vocação de qualquer jesuíta. A pobreza, ensinou-nos S. Inácio, é mãe fecunda e só dela sairá a verdadeira eficácia apostólica. Paradoxalmente — ou, dependendo do ponto de vista, naturalmente —, teremos que nos converter para caminhar com os pobres, mas não seremos convertidos sem que antes caminhemos com eles.
O caminho que, juntos, nos propomos percorrer é um caminho de reconciliação. Quando, em 1540, o Papa Paulo III aprovou e instituiu a Companhia de Jesus, a jovem Ordem Religiosa propunha-se a defender e propagar a Fé. Mais tarde, em 1975, a Companhia entendeu que não seria possível realizar eficazmente a sua missão sem para isso promover a justiça. Por fim, já em 2016, compreendeu que, nos nossos dias, para propagar a Fé não é suficiente promover somente justiça: trata-se de uma missão de reconciliação e justiça.
A primeira reconciliação será, sem dúvida, entre cada um de nós e Deus, como já vimos ao falar da conversão pessoal; de imediato — e de mãos dadas —, a segunda reconciliação é aquela que se deve dar entre nós e eles… Enquanto, no desejo de seguir o mandamento do Senhor, falarmos do amigo pobre, não teremos quebrado o muro que nos separa. A princípio talvez seja esse um mal menor a tolerar, mas, se queremos realmente caminhar com os pobres, uma verdadeira reconciliação — e que se dará em sintonia com uma verdadeira conversão — não será real até que nos vejamos, simplesmente, a caminhar entre amigos.
A terceira reconciliação é global: entre ricos e pobres. Caminhar com os pobres é uma das quatro Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus; e, sendo universais, nenhum jesuíta está livre delas — nem o que vive num bairro social, nem o que faz o seu doutoramento numa grande universidade europeia. Se o primeiro poderá propagar a fé promovendo a justiça e a reconciliação in loco, o segundo deverá procurar compreender as causas da exclusão social e contribuir, na sua medida, para as resolver; o primeiro tem como missão curar e cuidar do presente que temos, enquanto o segundo terá o mandato de procurar o futuro que desejamos; e ambos deverão, como todos nós, caminhar nos dois primeiros tipos de reconciliação.
Caminhar com os pobres, realmente, não é uma originalidade dos discípulos, mas mandamento do Mestre. Nesta preferência apostólica, toda a Companhia é convidada a olhar de novo o Evangelho e a perguntar-se — qual é, aqui, a companhia de Jesus? A resposta é simples e torna-se evidente na tinta do Evangelho: os pobres e os descartados. São estes a quem o Senhor nos envia e só entre eles poderemos ser realmente Seus amigos e Seus companheiros.
Este conselho evangélico, no entanto, não o deu o Senhor em privado aos filhos de S. Inácio, mas disse-o em alto e bom som a todos os filhos de Abraão: «O que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt 25, 40). Cabe-nos, pois, a todos nós, como aos contemporâneos do Senhor, perguntar: «Senhor, quem é o meu próximo?»; a Sua resposta, é certo, será a mesma.
Mais uma vez, ensina-nos S. Inácio de Loiola:
«A amizade com os pobres torna-nos amigos do Rei Eterno. O amor a essa pobreza faz-nos reis ainda na Terra, e não reis dessa Terra, mas do Céu. Isto vê-se porque o Reino dos Céus está prometido, para depois, aos pobres, aos que padecem tribulações, e está já prometido no presente pela Verdade Imutável, que diz: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5, 3)»[3].
Chamados por Cristo — e desejosos! — de caminhar com os pobres, encontrá-los será o primeiro passo; e, então, envia-nos o Senhor Jesus numa missão de reconciliação e justiça: reconciliação, em primeiro lugar, connosco mesmos; depois, entre nós e eles; e, por fim, numa reconciliação global, que só estará completa quando se der entre o mundo e o Senhor. Aí, talvez, tenhamos começado a viver o Evangelho. Mas, porque, sendo-nos impossível a nós, não será de modo algum impossível a Deus, comecemos este caminho na confiança de que, antes de vivermos fiéis à Sua Palavra, Ela viverá fiel em nós: «Eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).
[1] P. Pedro Arrupe, Alocução aos jesuítas da Tailândia, 1981.
[2] Congregação Geral 32, XII, 7.
[3] S. Inácio de Loiola, Carta aos Padres e Irmãos do Colégio de Pádua, 1547.