Contas em família: um por todos e todos por um

Na hierarquia dos desejos o dinheiro ocupa um lugar cimeiro. Até no nosso vocabulário utilizamos expressões que refletem essa relevância como “o importante é que não falte saúde nem dinheiro”.

Na hierarquia dos desejos o dinheiro ocupa um lugar cimeiro. Até no nosso vocabulário utilizamos expressões que refletem essa relevância como “o importante é que não falte saúde nem dinheiro”. Neste artigo venho reforçar a importância do dinheiro, mas que o mesmo seja entendido numa lógica comunitária. Não que tudo seja de todos. Simplesmente devemos ter presente um lema como o dos 3 mosqueteiros (“um por todos e todos por um”) para que este caminho de educação financeira comece em casa com criatividade e sem repreensões.

O dinheiro no seu devido lugar
Os temas financeiros são responsáveis pelas maiores alegrias ou dores de cabeça. Vivemos numa sociedade em que é impossível não ter preocupações com o dinheiro. Mas será que lhe damos a real importância? Estará a nossa realização pessoal tão dependente assim da disponibilidade financeira?
A dimensão financeira tem de estar equilibrada face às restantes dimensões da nossa vida. Nem por excesso, nem por defeito. Assim como uma roda de uma bicicleta tem de ter os raios na medida certa para que a mesma avance, também na nossa vida temos de dar a importância relativa a cada uma das dimensões que a compõem. Se o “raio” da vertente financeira está sobrevalorizado, ou subvalorizado, então não avançamos e ficamos parados, ou podemos mesmo cair por estar a andar aos ziguezagues.
Assim como devemos dar importância relativa ao dinheiro na esfera pessoal, também devemos ter um entendimento do mesmo como algo que nos responsabiliza pelo outro. A responsabilidade de gerir bem o dinheiro não se esgota no próprio. Isto é, sendo nós seres humanos integrados numa sociedade, o nosso dinheiro deve ter em conta o meu próximo. O dinheiro é algo que se conquista com o esforço do trabalho individual, mas não pode alienar-nos da responsabilidade social que temos pelo facto de partilhar o mesmo mundo, na mesma época, com quem tem menos possibilidades de conquistar o seu próprio dinheiro. Nenhum de nós escolheu nascer onde nasceu, nem com as possibilidades que dispôs. Isso deveria ser por si só um imperativo a estar atento a quem teve outra sorte.
Alocar uma parte do rendimento para apoiar os mais desfavorecidos não deveria ser um gesto heroico, mas uma normalidade de quem se reconhece como um entre irmãos.

Falamos de dinheiro em casa?
Em casa, a educação para as finanças pessoais deve começar desde pequeno. Ajudar os nossos filhos a perceberem que o dinheiro é um meio para alcançar objetivos maiores é essencial para que no processo de crescimento não sintam que o seu valor enquanto pessoas está indexado à existência, ou não, de euros na carteira.
Como educadores devemos envolver os filhos desde cedo nestas temáticas. Não há necessidade de dizer quanto é que cada um ganha e muito menos andar a comparar com terceiros. Mas é fundamental introduzir a noção de esforço versus retorno e da utilização responsável dos recursos.
Dizer a um filho que “o pai, ou a mãe, não tem dinheiro” não é vergonha alguma. É até uma oportunidade para alertar os filhos que os recursos são limitados e que temos de fazer escolhas ajustadas à nossa realidade familiar. As comparações só nos diminuem. Devemos educar os nossos filhos para a valorização do ser em detrimento da valorização do ter. Numa sociedade de consumo como a nossa, o “ter” parece dar maior aceitação social, mas se pararmos para pensar todos percebemos que o nosso valor está no “ser” e não no “ter”… por isso somos SER humanos e não somos “ter humanos”!

Para uma utilização responsável dos recursos é importante explicar aos filhos que tudo o que temos é fruto do trabalho e isso é muito precioso. Saber medir o valor de um bem em função das horas de trabalho ajuda a construir esta mentalidade. Por exemplo, se recebo 950€/mês e trabalho 160h/mês, o meu valor hora é de aproximadamente 6€. Ora, se o meu filho atira o comando da playstaion ao chão porque está chateado com o jogo, temos de aproveitar essa oportunidade para ajudá-lo a perceber que naquele gesto está a maltratar 50 horas de trabalho do pai ou da mãe (mais de uma semana completa!).

Dinâmicas em família
As conversas sobre dinheiro não têm de (nem devem) ser castradoras. É mais eficaz conversar com os filhos pela positiva. Um exemplo destas dinâmicas são desafios que podemos lançar em família para poupar na eletricidade. Conheço famílias que dão “castigos” a brincar a quem for apanhado a desperdiçar luz. Ou outras que têm um mealheiro para cada um que for apanhado nesta situação pôr uma moeda!
O tema da mesada/semanada é também uma excelente oportunidade para a educação financeira dos filhos. Se decidirmos dar mesada esse valor deve ser entendido como algo para gerir. Saber gerir é mais desafiante do que apenas saber gastar, assim como poupar pode ser simplesmente forretice e não ser sinónimo de uma boa gestão.
A dinâmica dos mealheiros, por exemplo, é excelente para quem tem uma mesada. Esses mealheiros devem ser transparentes e com rótulos diferentes, porque o propósito da poupança não é sempre o mesmo. Experimente ter em casa 3 mealheiros: o da poupança para um projeto previamente definido (ex: jantar fora, passeio), outro para gastar em despesas extraordinárias (fundo de emergência) e um terceiro com dinheiro para doar. É curioso verificar como as crianças se animam tanto com este 3º mealheiro solidário.

Preparar o futuro
A solidariedade entre gerações é um tema que tem de ser profundamente discutido em sociedade. É uma realidade que teimamos em não refletir seriamente nem tomar medidas efetivas. Por maioria de razão este tema da solidariedade geracional tem de ser discutido em casa. Um estudo da IMGA (IM Gestão de Ativos, SGFI, S.A.) diz que 92% dos pais esperam que um dos filhos se responsabilize pelas questões de herança, mas menos de 25% dos filhos sente-se preparado para desempenhar esse papel. Este é só um indicador da falta de diálogo que leva a uma falta de preparação para os desafios dos próximos anos.
A lógica do aforro deve preocupar-se com o próprio e com o próximo. A preparação da reforma é essencial para não sobrecarregar os descendentes. Cada um tem de tratar da sua parte de aforro para a reforma para além das atuais contribuições sociais. O estudo da FFMS (Fundação Francisco Manuel dos Santos) sobre a Sustentabilidade do Sistema de Pensões Português (abril 2019), estima que a percentagem de pensionistas em risco de pobreza vai aumentar até 2050. Este dado deve ser um alerta para agir desde já! Nuna sociedade que se quer em progressão, aceitamos que pessoas de mais idade e que contribuíram longas décadas para as contas públicas vivam no limiar da pobreza? Não! Com certeza que não. Mas de braços cruzados não adiantamos nada.
A chave para uma educação financeira em família que esteja atenta ao futuro e às necessidades dos outros, passa por não tratar o dinheiro como um tabu de tal forma que a partilha das preocupações e das conquistas sejam encaradas no espírito de Dumas: “um por todos e todos por um”!