O Cavaleiro Estudantil e a demanda pela Verdade

Será cansativo? Sim. Mas, bem vistas as coisas, ninguém é ungido cavaleiro para poder descansar. E o Cavaleiro Estudantil não é excepção: unido aos seus irmãos, não repousará até que tenha conquistado todo o mundo para Sua Divina Majestade.

A época de exames está à porta e é mais do que hora de alguém falar do que realmente interessa. Todos sabemos que, seja por desleixo natural, seja pela dificuldade real de estar atento a uma vídeo-aula, este ano o café não vai ser suficiente. Como em Março se correu às farmácias para esgotar o stock de máscaras e luvas, as hostes dos “estudantes da última hora”, mal acabem as reservas de café, farão cercos em redor das mais variadas tascas para açambarcar o stock de palitos.

S. Paulo exorta-nos a correr para a meta e, dir-se-ia, “a meta do estudante é tirar boas notas”. Será mesmo? Querido leitor – não. A meta do estudante, se é cristão, é a meta do cristão – e não há outra. E, se corremos, podemos correr por duas motivações diferentes: a do cavalo e a do cavaleiro. A motivação do cavalo de corrida são as esporas e o chicote (que é como dizer “a raiva maternal” e “o medo de ter de repetir aquela cadeira”). Se formos correr com esta motivação, amigos e amigas, bebamos todo o café que pudermos encontrar e dêmos uso a todos os palitos que nos passarem por perto. Viver este período de exames assim é uma possibilidade, mas traz consigo um grande “senão”: à semelhança do ano passado, o café não chegará e os palitos não manterão os olhos abertos, porque nada basta para nos fazer correr contra nós mesmos.

Já com o cavaleiro é toda uma outra história. Na bagagem do cavaleiro não vão esporas nem chicotes: não porque sejam dolorosas ou incómodas – de dores e incómodos está a vida do cavaleiro cheia! –, mas porque são inúteis; e a sua motivação – louvar, reverenciar e servir o seu Rei (Santo Inácio de Loiola, Exercícios Espirituais, 23) – não admite inutilidades. Portanto, querido leitor, se a minha flecha não falha por muito o alvo, restam-lhe duas alternativas: viver esta época armado em caracol de corrida, ou atrever-se a percorrê-la como cavaleiro armado. Não adie e decida já. Faça uma pequena pausa e escolha.

Se, como vimos, a meta do estudante, sendo cristão, não são as notas, mas Cristo, a motivação com que o discente escolhe correr deve ser conforme. Assim, se escolheu as esporas e fazer das notas o centro da sua vida, egrégio leitor, temo que não encontrará nada de útil neste artigo, pelo que o aconselho veementemente a voltar ao estudo. Obrigado. Desejo-lhe uma boa semana e que possa dar uma boa besta quando crescer. Se, por outro lado, pôs a sua vontade em peregrinar até à alta corte dos estudos, toca a vestir a armadura e a meter-se à estrada. Antes disso, porém, vejamos o que compõe um Cavaleiro Estudantil.

A primeira coisa que é preciso saber sobre cavaleiros é que para o ser não chega andar a cavalo: é preciso ser escolhido pelo Rei. Da mesma forma, o Cavaleiro Estudantil é ungido pelo Rei do Universo para esta valorosa missão, que é a de conhecer a Verdade. A Verdade, sabemos de cabeça, é Jesus Cristo: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14, 6). Para um camponês, “saber de cabeça” seria suficiente; mas o Cavaleiro Estudantil deve sabê-lo com todo o seu coração – e o coração de cavaleiro está sempre pronto a amar a verdade que encontra. Habituámo-nos de tal modo a ver “a verdade das coisas”, que nos tornámos quase incapazes de ver a Verdade propriamente dita. É que o nosso Rei, que é o Senhor das coisas, não é “mais uma coisa”, mas é a Verdade. O mero cavalo contentar-se-ia com pastar nos campos, mas o bom cavaleiro cavalga até encontrar o Rei. É essa a sua meta.

“Como é que o cálculo do momento angular pode fazer parte da demanda pela Verdade que é Jesus Cristo” é a pergunta imediata e uma pergunta justa. A resposta, em si, é também bastante imediata, mas toda a aventura ou desventura do Cavaleiro Estudantil residirá em fazê-la sua: o nosso Bom Rei – que nos ungiu e envia “a levar a boa-nova aos que sofrem, a curar os desesperados, a anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos cativos” (Is 61, 1) – é um Rei concreto… e é nas coisas concretas que nos cabe conhecê-l’O. Se o leitor habita as majestosas cortes da Filosofia, ou se luta nas profundas cavernas da Matemática; se atravessa os longos desertos das Engenharias, ou navega os tempestuosos mares da Comunicação; se abre caminho pelas florestas negras da Psicologia, ou galopa velozmente pelas largas vias da Medicina; se escala as grandes cordilheiras das Artes, ou se aventura pelos densos pântanos da Economia… é consigo. Mas, seja qual for o caminho que lhe foi dado percorrer, caro leitor, é a sua missão encontrar nele Aquele que é o Caminho. E, garanto-lhe, o Criador está tão presente nos mistérios luminosos da Analogia do Ser como nos enigmas sombrios da pressão causada por fluidos em comportas oblíquas.

E isto traz-nos outro dado importante sobre os cavaleiros: cavaleiro uma vez, cavaleiro para sempre. Assim também o Cavaleiro Estudantil deve ser plenamente cavaleiro em toda a sua demanda: seja ao cortejar a doce dama da Sabedoria, seja a pelejar contra o tenebroso gigante das Entregas-Até-à-Meia-Noite. Dê por onde der e independentemente das suas feridas, o cavaleiro mantém os olhos na sua meta – louvar, reverenciar e servir o seu Rei Eterno.

Por isso, caro leitor, tenha sempre diante dos olhos o fim para o qual foi criado. Comece as suas batalhas oferecendo todos os trabalhos Àquele que deles nos libertará; agradeça-Lhe as feridas e as dores de cabeça, as olheiras e as horas desperdiçadas na conquista deste reino. Ao fim do dia, vencedor ou vencido, deixe de lado esses juízos e entregue-se ao Juiz de toda a Terra, que se rege pela lei da Misericórdia e pela justiça da Graça, que nos abrasa e abraça.

Falo de batalhas e feridas porque, claro, o cavaleiro – e, como tal, também o Cavaleiro Estudantil – é um guerreiro: feraz, veraz, feroz e audaz. O estudo terá momentos de beleza e de ternura, talvez; mas será sempre cheio de suor e sangue – e, sem exagero nenhum, talvez algumas lágrimas e certamente muitos nervos quebrados. Mas aquele distrito que nos foi confiado e que devemos atravessar – seja a Lógica ou a Anatomia, Direito Internacional ou Análise Matemática – deve ser domado e conquistado, a sua verdade deve ser por nós conhecida.

Seremos tentados a relaxar, a relativizar, a dizer “o mundo é grande: mais cidade, menos cidade, não faz diferença. Ninguém pode conquistar tudo, ninguém pode ler tudo. São demasiados inimigos e são demasiados slides”. Mas, querido leitor, como poderá um verdadeiro Cavaleiro Estudantil chegar ao fim do dia sabendo que desperdiçou o encontro de hoje com o seu Senhor? Se cada cidade, com a sua verdade, é um pouco da Verdade de Cristo, como poderemos amanhã olhá-l’O nos olhos, sabendo que hoje não O quisemos ver?

E será assim, dia após dia durante uma longa época de exames; e, depois da época, toda a vida. Será cansativo? Sim. Mas, bem vistas as coisas, ninguém é ungido cavaleiro para poder descansar. E o Cavaleiro Estudantil não é excepção: unido aos seus irmãos da Secretávola Redonda, não repousará até que tenha conquistado todo o mundo para Sua Divina Majestade. E um dia chegaremos à Corte que não tem intrigas, ao País onde os manuais cheiram sempre a novo e as sebentas são perceptíveis, onde os professores não são dragões e as salas de aula, se existissem, seriam tão agradáveis como a sombra de um carvalho num dia quente de Verão. Que bom será ver que, a esse País, não é preciso conquistar. E que belo será deixarmo-nos conquistar por Ele.

 

 

 

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