Processo de formação
na Companhia de Jesus
Poucos são os jesuítas que têm formações exactamente iguais entre si. Porque embora havendo um percurso mais ou menos típico, ele pode estar sujeito a algumas variações e adaptações, de acordo com as linhas de acção prioritárias das Províncias, o discernimento dos Provinciais e das equipas de formação, e as necessidades da própria pessoa em questão.
Há no entanto quatro “linhas transversais” que percorrem toda a formação: a vida espiritual, o estudo, o apostolado e a vida comunitária. Vejamos cada uma delas.
Vida Espiritual
O jesuíta é aquele que, como Inácio de Loiola, descobriu a dimensão do amor de Deus na sua vida, e que cheio de alegria reconheceu o convite de Jesus a entregar a sua vida aos outros através da Companhia de Jesus. O cuidado com este “alimentar da intimidade com o Senhor” é assim uma das linhas transversais de todo o percurso de formação, pois ser jesuíta não é em primeiro lugar uma profissão ou uma vontade própria, mas resposta que necessita ser continuamente alicerçada na relação pessoal com Jesus.
Vários são os meios que ajudam neste caminho. Em primeiro lugar, o Exame de Consciência, a meio e ao final do dia, como “tomada de consciência” para perceber por onde andou ou não a presença de Deus ao longo do dia, e para crescer na capacidade de discernir os seus desafios nas grandes e nas pequenas coisas e decisões. Depois, a hora de oração, tempo “de qualidade” dado ao Senhor, já que é isso que, como dizia o Principezinho em relação à rosa, “o torna importante”. Finalmente, os Exercícios Espirituais anuais de oito dias (ou de mês, ao início e ao final da formação), onde se pára para avaliar, recentrar no Essencial, e crescer neste modo inaciano de seguimento de Jesus.
Comunidade
Ao constituir-se “corpo para a missão”, os primeiros companheiros decidiram viver juntos como verdadeira comunidade de apóstolos, em comunhão e pobreza de meios. Prometeram também obediência a um deles, que no início ia mudando rotativamente entre todos. Unia-os não só o vínculo espiritual como também uma forte amizade entre todos, apesar das personalidades e origens muito diferentes. Inácio sempre viu este elemento relacional como essencial à missão e ao modo de proceder da Companhia. Mandava sempre em missão os jesuítas aos pares, e tendia a dispensar todos os que, mesmo possuindo outras qualidades notáveis, não fossem capazes de superar o individualismo.
Hoje tem-se recuperado na formação dos jesuítas a importância da amizade, da vida comunitária e do trabalho em equipa. Da formulação antiga “comunidade para a dispersão” (por vezes desvirtuada e convertida em “hotel de apóstolos”), passou-se para uma lógica de “comunidade para a missão”, onde ela própria é parte da missão. A proximidade do outro, em particular se é muito diferente, é sempre teste à autenticidade da minha fé e desafio à conversão, e o “vede como se amam”, ontem como hoje, continua a ser o grande testemunho evangélico.
Os Estudos
Na Companhia de Jesus os estudos não servem para a valorização pessoal, mas têm uma finalidade profundamente apostólica: conhecer mais, para poder servir melhor! Daí os meios e recursos que são disponibilizados durante os vários períodos de estudo, nomeadamente da Filosofia e da Teologia (por onde todos os jesuítas passam). Ficou famosa a carta que Inácio escreveu aos estudantes jesuítas de Coimbra, exortando-os a aplicar todo o seu fervor aos livros, pois nesse momento essa era a sua missão, preparando-se o melhor possível, para mais tarde poderem servir de outros modos.
Por outro lado, num mundo em rápida mudança como o nosso, têm-se desenvolvido enormemente muitas outras áreas do conhecimento, desde a psicologia à sociologia, da biologia às neurociências. Há por isso muitos jesuítas que se dedicam a estes estudos, com o propósito de conhecer melhor o mundo em todas as suas facetas, já que todo o mundo e todo o saber são “casa de Deus”. Estar presente nestas novas áreas torna-se assim fundamental, pois a legítima autonomização das ciências tem requerido novas articulações com a fé.
O Apostolado
A dedicação à oração e aos estudos, mesmo na fase inicial da formação, não é incompatível com experiências variadas de apostolado e de contacto directo com as necessidades das pessoas à nossa volta. Esse contacto pode, pelo contrário, ser muito útil, na medida em que “dá corpo” ao que se estuda, ao mesmo tempo que suscita novas perguntas. Inácio reconhecia e aplicava essa pedagogia, e logo no Noviciado tinha instituído várias “provas” (um mês a trabalhar num hospital, a peregrinação a pedir esmola, etc.), onde se aprendia e formava a partir da reflexão sobre a própria experiência.
Muitos destes apostolados costumam implicar um contacto mais próximo com a pobreza real. Pois os pobres são não só os “preferidos de Deus”, pela sua situação de maior carência, como muitas vezes nos ensinam a alegria simples, a generosidade e a confiança genuína em Deus. Outros apostolados passam pelo trabalho com a juventude (grupos de adolescentes e universitários, campos de férias, etc.), o que permite conhecer e aprofundar as sedes e desejos das novas gerações. Em todos, o objectivo é sempre que o estudo não fique só pela teoria, mas vá sendo acompanhado pela prática e pela reflexão.