Etapas de formação
Na Companhia de Jesus há padres e irmãos. Como veremos, grande parte da formação é comum aos dois tipos possíveis de consagração, mas há particularidades na formação dos irmãos. Disso daremos conta no final deste apartado.
Apesar da variedade de percursos de formação descrita anteriormente, há algumas etapas que são parte estruturante de todos eles. São elas os dois anos iniciais do Noviciado; alguns anos de Filosofia e Humanidades; uma etapa de “estágio prático” intermédio; o estudo aprofundado da Teologia; e a Terceira Provação final. Olhemos cada uma delas mais de perto.
Noviciado
O Noviciado corresponde à formação inicial de qualquer jesuíta. Tempo de maior “recolhimento” na relação com o exterior, dura normalmente dois anos, e tem o triplo objectivo de ajudar o noviço a crescer no conhecimento da Companhia de Jesus, no caminho da oração e da “intimidade com Deus”, e no aprofundamento do auto-conhecimento (o que não é menos importante!).
Praticamente desde os inícios que são quatro as “provas” (experiências) que compõe o Noviciado: os Exercícios Espirituais de mês (tal qual o próprio Inácio de Loiola); outro mês num hospital psiquiátrico (em serviço aos doentes); a experiência de inserção numa comunidade apostólica (muitas vezes em zonas mais pobres); e a prova de peregrinação, a pedir comida e dormida (para que a “confiança na Providência” não fique só na teoria!). Os noviços vão também estudando a história e a espiritualidade da Companhia, tendo formação com o “Mestre de Noviços” e o “Padre Sócio”, e sendo acompanhados de perto no seu caminho interior. No final do Noviciado, uma vez confirmado o chamamento inicial, o noviço faz os votos de pobreza, castidade e obediência perpétuas.
Juniorado/Estudo de Filosofia
Depois do Noviciado, centrado na formação espiritual, é tempo para o estudo detalhado da Filosofia, complementado com elementos de Humanidades (latim e grego, literatura e cultura clássica, etc.). É do próprio Direito Canónico a exigência que antes da Teologia haja pelo menos dois anos de estudos filosófico-humanísticos. Porque não se consegue perceber o mundo actual sem se saber como chegámos até aqui, sem se conhecer a história da humanidade na busca de se compreender a si mesma e ao sentido profundo da existência.
É assim o estudo da Filosofia que permite conhecer, por um lado, as variadas correntes do pensamento que atravessam os tempos, a sua relação com os próprios factos históricos, as suas consequências e as suas derivações actuais. Sem este conhecimento, toda a abordagem que se faça à realidade corre o risco de ser parcial e incompleta. Por outro lado, a Filosofia desenvolve a capacidade de “pensar o mundo”, de conhecer e discernir os traços do homem e da cultura contemporânea, para além do aparente e do superficial.
O Magistério
Depois do Noviciado e da Filosofia, a fase seguinte de formação corresponde à “imersão” na vida de trabalho apostólico, vivendo-se habitualmente numa comunidade de jesuítas já formados e com uma missão e um dia-a-dia semelhante ao deles. Há quem faça o magistério dando aulas em colégios ou colaborando em centros universitários. Outros são enviados para as missões em países em vias de desenvolvimento, ou trabalham com refugiados em zonas de conflito. Há ainda alguns que recebem a missão de acabar os estudos começados antes da entrada na Companhia.
Este “regresso à vida activa” costuma ser, regra geral, intenso e enriquecedor, pelo ritmo do trabalho e pela proximidade com tanta gente que pede a nossa ajuda. Ao mesmo tempo, o jesuíta aprende a difícil conciliação do trabalho activo com a vida de oração, assim como se “adentra” nas fragilidades e necessidades das pessoas com as quais contacta. É esta aproximação às “sedes do mundo” que vai servir de “campo de cultivo” para o enraizamento da Teologia, etapa que vem habitualmente a seguir.
Estudo de Teologia
Ao tempo agitado do Magistério segue-se o regresso aos estudos, agora com a Teologia. Os três primeiros anos constituem o “primeiro ciclo”, formação de base que costuma acontecer numa universidade da Companhia (por isso os jesuítas portugueses vão sempre para o estrangeiro, já que em Portugal não temos Faculdade de Teologia). Da Bíblia à Antropologia, da História da Igreja à Ética, este ciclo básico pretende dar ao jesuíta uma sólida formação teológica, aberta também às novas correntes e interpelações do mundo.
Segue-se o “segundo ciclo”, dois anos de maior especialização, seja em algumas das áreas da Teologia (Dogmática, Fundamental, Bíblica, Moral, etc.), seja nalgum outro campo que se veja necessário para completar a formação do jesuíta em questão (Pastoral, Administração Escolar, Psicologia, Pedagogia, etc.). No caso dos “escolásticos” (os jesuítas em formação que se preparam para o sacerdócio), a ordenação diaconal ocorre durante o terceiro ano de estudos, enquanto que a ordenação sacerdotal acontece no final do quarto ano.
A Terceira Provação
Apesar dos entre dez e doze anos que decorrem até ao final dos estudos, a formação ainda não está completa! O jesuíta em formação – sendo já padre ou irmão – é incorporado no “corpo apostólico” da Província, recebendo uma missão e uma comunidade onde passa a viver. Aí estará durante alguns anos, até ser enviado para a “Terceira Provação”, momento final da formação que dura entre seis e oito meses.
A Terceira Provação é quase um segundo noviciado, regresso à “escola dos afectos” depois de tantos anos de formação intelectual. O jesuíta volta a fazer os Exercícios de mês e algumas das experiências do Noviciado, estuda de novo a vida de Inácio e as Constituições da Companhia, e sobretudo tem um tempo longo para olhar e rezar o caminho feito, riquezas e fragilidades, aprofundando assim os grandes pilares e desafios da sua vida dedicada a Deus e aos outros.
Uma vez concluída a Terceira Provação, o jesuíta regressa ao trabalho activo, aguardando que lhe sejam concedidos os “Últimos Votos”. Estes representam a incorporação definitiva e solene na Companhia de Jesus, e incluem o quarto voto de “disponibilidade especial” ao Papa.
O Percurso dos Irmãos Jesuítas
Inácio e os primeiros companheiros foram sacerdotes, e desde o início que tem sido característica da Companhia a dimensão “sacerdotal” (no sentido de “fazer sagrado”): ver e agir em todas as realidades a partir de Deus, e procurar Deus em todas as realidades. No entanto, também desde os primeiros tempos outros sentiram-se chamados a incorporar-se neste corpo apostólico, homens que ou não tinham especial aptidão para os estudos, ou não sentiam que o sacerdócio fizesse parte do convite e chamamento que sentiam da parte de Jesus. Nasceram assim os “Irmãos jesuítas”, plenamente integrados no corpo e na missão da Companhia.
Se houve tempos em que os Irmãos foram vistos como jesuítas “menores”, hoje há uma re-descoberta do sentido profundo desta vocação, em particular nas suas dimensões de “consagração radical” e de “inserção no mundo”. Para além do principal da formação descrita anteriormente, muitos Irmãos formam-se em alguma área concreta, desde a Pedagogia à Pastoral Juvenil, da Enfermagem às Artes. E é graças aos Irmãos que a história da Companhia conta com um grupo de santos (Santo Afonso Rodrigues o porteiro, o Beato Ir. Gárate, etc.) que foram exemplo vivido de entrega generosa e discreta no comum do quotidiano.