Reflexão – III Domingo da Quaresma

UM NOVO TEMPLO, UM NOVO CULTO, UM ÚNICO SACRIFÍCIO - P. José Augusto Sousa, sj Para quem lê ou medita os Quatro Evangelhos, é surpreendente este gesto de Jesus da expulsão dos vendilhões do Templo.

Com efeito, os Evangelhos são Boa Nova de Paz, a paz que os anjos anunciaram por altura do Nascimento de Jesus e a Paz que o próprio Jesus anunciou desde o seu Baptismo até à morte.

Esta passagem da expulsão dos vendilhões do Templo, à primeira vista, parece contradizer Jesus. Como interpretar, então, este gesto aparentemente violento? Com este gesto, Jesus quer dizer-nos que o Culto da Antiga Aliança acaba e que Ele vem inaugurar um Novo Culto, o Culto da Nova Aliança. Acaba o culto do Templo que é, de algum modo, comercial: dou a Deus um cordeiro, um vitelo, um par de rolas… e Ele tem obrigação de me dar, em troca, a sua graça e a sua benevolência. Deus tem obrigação de recompensar-me! Fé num Deus a quem damos para que Ele nos dê ou porque Ele nos dá. A nossa maior ilusão que se transforma, muitas vezes, em desilusão ou até e medo é pensar que Deus apenas nos ama, porque nós lhe damos uma oração, um acto de piedade… Tudo isto é bom e simbólico, mas não pode deixar de recordar-nos aquilo que nos diz toda a Escritura: Deus ama-nos apesar do nosso pecado e do nosso desmazelo e falta de correspondência. Com isso, não quer dizer que ponhamos de parte o sacrifício, que leva o nome de exigência, mas devemos pedir a graça para que o nosso sacrifício seja eucarístico, isto é Sacrifício de Louvor, de acção de Graças. E não há outro sacrifício.

Nas terras onde vivi, em Moçambique, tive muitas dificuldades em fazer passar na catequese de adultos a ideia de que todos os sacrifícios, mesmo os sacrifícios aos antepassados, convergem para a Único Sacrifício de Jesus, o Sacrifício da Cruz selado pelo Sangue do Cordeira Pascal.

Com a expulsão dos vendilhões do Templo não pensemos que Deus condena o pequeno ou grande comércio e os comerciantes. O que Ele condena é a utilização indevida da casa de Deus para se obter um lucro, pois nesse caso, a casa de Deus torna-se casa de tráfico. Aqui, radica, também, a “invocação do nome de Deus em vão”. Era isto o que acontecia: Deus era expulso, de algum modo, da sua casa para nela se instalar o ídolo do dinheiro. Não é em vão que a Liturgia de hoje nos apresente na primeira leitura os Dez Mandamentos ou as Dez Palavras. Todos os comportamentos proscritos pelo Decálogo, poem em relevo a idolatria: idolatria do proveito (lucro), do prestígio, do sexo… Isto nos deve levar a uma conclusão: os relatos evangélicos dizem-nos como Deus é, para nós. Falam-nos de nós próprios, dos nossos êxitos mas também dos nossos desvarios possíveis: a aceitação de todos os ídolos na nossa casa sem termos a coragem, de escorraçá-los.

A Oração humilde antes da Eucaristia ajuda-nos a exorcizar tudo o que está a mais na nossa morada!.. “Senhor eu não sou digno de que entreis na minha morada”… Como desejávamos que Jesus Cristo expulsasse do nosso universo todos os ídolos dominadores que nós, por vezes, cultivamos e até acarinhamos! Só com a expulsão destes ídolos dominadores, a humanidade se tornará o Templo onde Deus habita! “A casa do Pai, és tu, sou eu, casa, tantas vezes cheia de bugigangas, de pombas e pombinhas que não deixam transparecer a Deus”. Precisamos de chicotes, de abanões para fazermos a limpeza pascal e expulsar todos os ídolos do nosso coração que é o santuário de Deus. Vós sois Templos de Deus!

Caminhamos para a Páscoa e ao fazermos a reflexão sobre este Evangelho da expulsão dos vendilhões do tempo, podemos trazer à memória o Evangelho da Transfiguração do Domingo passado. Quando Pedro pede três tendas, ele está a colocar em pé de igualdade Moisés, Elias e Jesus. Mas agora não é assim, chegamos à hora em que a Lei representada por Moisés é ultrapassada e as profecias representadas por Elias são cumpridas. Por isso agora, a nossa fé é na pessoa de Cristo. Já não existe uma religião que se fundamente na lei e na realização das profecias. Jesus desce da montanha e, como Moisés, vai conduzir o Povo para a Terra Prometida. Com Jesus Cristo somos convidados a descer da montanha e caminhar para Jerusalém. Tal como Moisés conduziu o povo na travessia do mar, do deserto do Jordão, Jesus vai atravessar a morte para que nós com Ele a possamos atravessar. Agora vemos como por um espelho, depois face a face, quando seja atravessada a fronteira de morte e entremos na visão beatífica. Face a face!..
P. José Augusto Alves de Sousa, sj

Pintura: El Greco