P. Domingos Pereira Gonçalves
08.06.1937 – 03.04.2021
Biografia
O P. Domingos Pereira Gonçalves nasceu no dia 8 de junho de 1937 no Lugar da Igreja, Santa Marta de Bouro, Amares (Braga).
Entrou na Companhia de Jesus no dia 7 de setembro de 1964, no Noviciado da Casa da Torre, Vila Verde (Braga), já com algum tempo de estudo de Teologia. Acabado o Noviciado em 1966, foi enviado para Comillas, Santander (Espanha) para continuar os estudos de Teologia, sendo ordenado sacerdote em 29 de junho de 1968.
Em 1970, acabada a Teologia, foi destinado a Capelão Militar em Angola, até 1974. Após o seu regresso a Portugal foi para Dortmund (Alemanha) como Capelão de Emigrantes portugueses, mudando para Minden no ano seguinte com o mesmo cargo de Capelão, onde permaneceu até 2008.

Regressado então a Portugal, foi destinado a Santo André (Santiago do Cacém), para colaborar em duas Paróquias (Santa Maria e Santo André), confiadas, então, à Província Portuguesa, onde permaneceu até 2010. Com a decisão de terminar a presença da Companhia em Santo André, o P. Domingos foi então destinado à Residência da Casa da Torre, Soutelo, Vila Verde (Braga), trabalhando nos arredores em atividade pastorais.
Diagnosticado um processo de demência, foi transferido para a enfermaria do CIL (Lisboa) com Alzheimer em 2018. Faleceu a 3 de abril de 2021, a manhã de Sábado Santo, infetado com Covid-19.
Testemunho
Convivi com o Domingos durante o noviciado (1964-1966), no tempo da sua segunda “encarnação” na Companhia. Era o veterano de nós todos. Tinha 27 anos! Recordo as suas distrações e alguma nota musical do acordeão que, penso, já nessa altura, tocava. Conservo dele a memória pacífica de um bom companheiro, simples, alegre. Depois, adiantou a sua formação, com as bases que, dizia-se, já trazia do Seminário diocesano, e ordenou-se. Eu jornadeava pelos “claustros” (como o P. Bacelar gostava de dizer) da recém-fundada UCP em Braga, na Faculdade de Filosofia. Perdemo-nos de vista.
Muito depois, quando o missionário entre os emigrantes portugueses na Alemanha regressou à Província, reencontrei-o, em 2005, na mesma casa, Soutelo. Sempre soube notícias dele, não só as oficiais, mas também, e sobretudo, pelos canais dos seus amigos bracarenses, o P. António Freire (que lhe chamava stratiotes) e o Manuel Losa, outro germanófilo. Quando o Domingos vinha de férias a Portugal, nunca deixava de passar alguns dias na comunidade da rua de S. Barnabé. E lá partia, de novo, com o mesmo riso com que tinha chegado. Na minha segunda “encarnação” na Casa da Torre, convivemos mais demoradamente. Aquele traço do noviciado dera lugar a uma aprazível transparência.
Era muito cioso da sua privacidade. Rijo, como a paisagem alcantilada da Senhora da Abadia, juntava bem o São Bentinho da Porta Aberta com o Mosteiro de Santa Maria de Bouro: a devoção minhota de uma romaria alicerçada em sólidos esteios. Tinha algo de monge e, ao mesmo tempo, de giróvago. Andou por germânias e áfricas? Não se deixava encurralar. Apraz-me esta característica do seu temperamento: a liberdade austera, fundamentalmente pobre, um pouco lunática, com a simpatia do peregrino russo. Perdia coisas, às vezes errabundo, dava a impressão que não se importava que o roubassem. Nunca o vi mal disposto. De fato de treino e sapatilhas velhas, andava pelos arredores, e os cães e Deus gostavam dele.
Sabia, sapientemente, não se levar muito a sério. Mas quando embiocava, era difícil demovê-lo. Posso aplicar-lhe esta célebre estrofe da Carta a Dom João III escrita pelo Doutor Francisco de Sá de Miranda que está sepultado em Carrazedo, Amares, muito perto da terra natal do Domingos: “Homem de um só parecer, / D’um só rosto, uma só fé, / D’antes quebrar, que torcer, / Ele tudo pode ser / Mas de corte homem não é”. Na Rosa da Glória, como Santa Ana sentada na parte fronteira de São Pedro, vai cantando, sim, mas não lê pela pauta, olha, embevecido como ela, para Nossa Senhora: Di contr’a Pietro vedi sedere Anna / tanto contenta di mirar sua figlia, / che non move occhio per cantare osanna” (Dante, Divina Comédia, Paraíso, XXXII, 133-135: “Em frente a Pedro vês já sentar-se Ana, / de mirar sua filha tão contente, / que olhos não move por cantar hossana”).
O Domingos aprendeu, de cor e salteado, a música celeste; toca o seu acordeão que agora ninguém pode roubar; dança, simples e santo como sempre foi, a dança do Rei David.
Dia de Santo Afonso Rodrigues, SJ, 31.10.2021
Mário Garcia, SJ