Ir. Abílio Nunes

27.12.1927 – 20.08.2023

Biografia

O Ir. Abílio dedicou parte da sua vida ao povo de Moçambique, onde esteve 17 anos ao serviço do bispo de Lichinga. Mas a sua atividade pastoral passou por muitos outros locais, nomeadamente na capelania do Hospital Garcia da Orta. Faleceu aos 95 anos, no dia 20 de agosto, tendo já completado 78 anos de jesuíta.

O Ir. Abílio nasceu no lugar de Cabeça do Poço, freguesia de Fundada, concelho de Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, no dia 27 de dezembro de 1927. Entrou na Companhia de Jesus no dia 24 de março de 1945, no Convento de Santa Marinha da Costa, Guimarães, sendo Provincial o P. Tobias Ferraz e Mestre de Noviços o P. António.

Depois dos primeiros votos, no final do Noviciado, que fez no dia 25 de março de 1947, recebidos pelo P. Mestre, José Craveiro, continuou na Casa de Formação de Guimarães, como Ajudante do Alfaiate. Sentia-se privilegiado por pertencer à família dos “Nunes” que enriqueceu a Companhia com tantos Irmãos dedicados e competentes como Alfaiates. Gostava de falar do Ir. José Nunes Sénior, seu avô, que depois de enviuvar respondeu, com toda a generosidade, ao apelo de Deus para servir como irmão jesuíta. Viveu ainda 35 anos como Alfaiate na Companhia, sempre bem-disposto e rico na conversação a qual os irmãos estudantes procuravam para com ele passarem agradáveis momentos de enriquecimento humano. Foi com o seu primo, Ir. José Nunes Júnior, que aprendeu, desde muito jovem, ainda postulante – andava pelos 17 anos, quando o seu pai o levou para Macieira de Cambra – a Arte de Alfaiate e a Arte de bem cultivar o espírito religioso e missionário.

Em 1948 foi enviado para a Comunidade da Faculdade de Filosofia de Braga como Ajudante do Alfaiate e exercia outros serviços domésticos. Em 1951 mudou para a Escola Apostólica de Macieira de Cambra onde trabalhou como Alfaiate, Roupeiro, Porteiro e encarregado dos Hóspedes. Fez os Últimos Votos no dia 3 de fevereiro de 1958, no Capela da Escola Apostólica, recebidos pelo Reitor, P. Joaquim de Almeida.

Com o encerramento da Escola Apostólica de Macieira de Cambra, em 1958, o Ir. Abílio foi enviado a Casa da Torre em Soutelo, Vila Verde, onde permaneceu 18 anos dirigindo a Alfaiataria e sempre pronto para outros serviços domésticos, para além de ter sido, também, sócio do Mestre de noviços para os irmãos noviços coadjutores. Era o Ir. Abílio que vestia os noviços com aquelas batinas negras feitas à medida e que caíam à perfeição em cada um. Entravam, por aqueles anos, entre 15 e 20 noviços para os quais tinha que aprontar as batinas até ao final da primeira provação, mas levava sempre a bom termo uma tarefa que lhe exigia tirar as medidas, fazer as provas e no final “os que as vestiam sentiam-se muito bem”, como dizia.

De 1976 a 1983 esteve no Colégio das Caldas da Saúde (INA) onde se encarregou da Rouparia e recebia os Hóspedes. O trabalho não era como em Soutelo – dizia com graça “arrumei a tesoura” – , mas foi, também, prefeito dos alunos do Ciclo Preparatório e deu aulas de “Religião”. Sentindo que necessitava de atualizar e aprofundar os seus conhecimentos catequéticos, inscreveu-se num Curso de Catequese, no Porto. Durante dois anos dedicou-se ao estudo com todo o entusiasmo para desempenhar bem esta mudança de rumo na sua vida. Enriquecido com esta formação, dedicou-se a servir a Paróquia de Areias à qual pertence o Colégio, como orientador dos catequistas. Mais tarde servir-lhe-á, também, para fazer o mesmo em Lichinga, Moçambique.

Em 1983 foi para Lichinga, Moçambique, acompanhar o bispo D. Luís Ferreira da Silva. Orientava a Casa Episcopal e colaborava nos trabalhos pastorais como a Catequese e a Assistência a pequenos grupos e acompanhava o Sr. Bispo em visitas à Diocese. Falava frequentemente da vocação à vida religiosa ou para o sacerdócio. Fazia-o sobretudo na simplicidade e transparência de vida.

Todos sabiam como vibrava espiritualmente com a liturgia africana e as atividades da juventude que gostava de acompanhar e assistir pastoralmente. Dava, ainda, assistência espiritual aos presos da cadeia de Lichinga: estava com eles em conversa amena e orientava a “celebração da palavra”, deixando com eles os cânticos que preparavam com cuidado. Sentia que recebiam muito bem o que lhes dizia.

Apreciou muito a sua vida de missionário em Moçambique e percebeu como tinha grande capacidade de se dedicar aos outros, confidenciado que passou de uma vida quase “conventual” para um dia a dia mais “eclesial”.
No dia 25 de setembro de 2000, o Ir. Abílio sofreu um acidente de automóvel numa viagem para fora de Lichinga. Ficou em coma e depois teve que regressar a Portugal acompanhado pelo Ir. José Lima. Recuperou e foi enviado para a Casa S. Pedro Claver e colaborava na Paróquia do Pragal. Era um homem muito apreciado pela sua bondade e capacidade de acolher todas as pessoas, pelo equilíbrio e presença amiga que criava laços de união.
Em 2007 foi hospitalizado. Toda a gente do hospital ficou impressionada com a dedicação e o carinho de tantas pessoas que o visitavam, mostrando como o Ir. Abílio era importante para elas. Quando teve alta voltou para a Casa S. Pedro Claver e depois foi para a Enfermaria do Colégio de S. João de Brito, por algum tempo, para ser bem acompanhado. A partir de 2008 os catálogos indicam que trata da saúde, reza pela Igreja e pela Companhia e ajuda na pastoral dos doentes e vivia na Casa S. Pedro Claver. Em 2012 foi para a Comunidade da Faculdade de Filosofia de Braga onde se encontrava o Ir. Américo Nunes, seu irmão, e continuava a rezar pala Igreja e pela Companhia e também ajudava na enfermaria, na cozinha e no refeitório.

Gostava de ler e ouvir música, sobretudo da Rádio Renascença que também aproveitava para ouvir e rezar seguindo as meditações que propunha. Por isso dizia que não lhe era difícil passar bem o tempo. Enriquecia-se a animava-se com estas ajudas, para poder ajudar e animar os outros, como dizia.
O Ir. Abílio faleceu no Hospital de Braga no dia 20 de agosto de 2023.
O que mais o caracterizava era a sua bondade, amizade e espírito de serviço.

Fontes: Livro dos Registos das entradas na Companhia e Catálogos; Testemunho deixado numa entrevista que deu ao Boletim “JESUÍTAS”, Informação aos Amigos, junho de 2001, n. 273, p.8-10.

O trabalho dedicado e exemplar do Ir. Abílio

O Ir. Abílio Nunes sj, a partir de 2001, trabalhou no Hospital Garcia de Orta (HGO), em Almada, como voluntário da capelania, reconfortando os irmãos enfermos com a sua solicitude apostólica, sempre disponível e atenta, tendo desempenhado com particular devoção a missão de ministro da Sagrada Comunhão, levando Cristo Sacramentado a todos os doentes que o solicitavam. De 2004 a 2011 assumiu a função de auxiliar do capelão (com a anuência e designação do então bispo de Setúbal), tendo também assumido, um ano mais tarde, o cargo de coordenador dos voluntários da Capelania do HGO. 

Quando esteve internado no mesmo hospital, por doença grave e súbita, no término da semana Santa de 2011, mantendo-se na enfermaria até ao início de junho, foram sempre bem evidentes as manifestações de carinho e de consideração dos profissionais do HGO que o conheciam. 

E, particularmente, dos seus colegas voluntários da capelania, que, por grande amizade e respeito, visitavam e acompanhavam o irmão Abílio constantemente (inclusivamente, escalando-se em turnos, de manhã e de tarde, para ele não ficar desacompanhado, dando-lhe ânimo e apoio, assim como se organizavam na capela para rezar o terço em conjunto pelas suas melhoras).

O exemplo do irmão Abílio foi, para todos os que trabalharam com ele no HGO, assim como para todos os doentes a que ele assistiu, benéfico, de grande valor e exemplo, tendo o seu forçoso afastamento deixado boas memórias e grande saudade em todos.

P. Jorge Cabral dos Santos

Devoção a Nossa Senhora

 

De realçar é a sua devoção a Nossa Senhora. Era comum ver-se de terço na mão nos seus tempos livres. Quando o perdia, o que nele era frequente, sobretudo nestes últimos tempos, não descansava sem o encontrar ou outro que o substituísse. Algumas vezes não encontrou por casa nenhum perdido ou disponível. Numa dessas ocasiões, pediu dinheiro ao ‘administrador local’ para comprar um terço porque tinha perdido o próprio e procurando em casa, não encontrou nem o próprio nem outro. Foi-lhe dado dinheiro para o efeito, com o ‘recado’: compra vários, mas diz na loja que queres terços para perder. Comprou uma mão cheia e com os cêntimos sobrantes vinha entregá-los para poder dar a quem perdesse o seu…

Algumas vezes lhe perguntava se dormia bem, ao que respondia que costumava dormir muito bem, exceto algumas noites em que lhe custava a adormecer. Interrompendo eu, procurando ajudar: provavelmente é por teres os pés frios, pois é isso que acontece comigo. Não, respondeu, depois de dar umas voltas, lembrava-me que me faltava rezar o terço, ou parte dele. O remédio era começar a rezá-lo, vindo a adormecer com o terço na mão e antes de chegar ao fim, provavelmente depois de ter rezado a parte que me faltava.

Quando, às vezes, eu não aparecia no terço das 18h30, transmitido da Capelinha das Aparições, de Fátima pela Canção Nova, vinha perguntar-me, não ficasse eu sem o rezar, se queria que rezasse comigo, pois sabia que eu tinha dificuldade em rezá-lo todo, sozinho. Aceitava, claro está, agradecendo sua ajuda e boa intenção.

Em dada altura, quando se lhe pedia para assinar um documento, verificava que já tinha muita dificuldade ou não conseguia mesmo fazê-lo. Sentia, com tristeza, a doença a tomar conta de si… Incentivei-o a que treinasse, para reativar a sua memória da escrita, repetindo o seu nome muitas vezes e outros textos que, inicialmente eu próprio lhe ditei para o animar e posteriormente, depois de muito treinar, tal era o seu desejo de recuperar, quando começou a ter mais confiança em si e a dominar a pena, para não me ocupar, continuou repetindo textos que sabia de cor, por exemplo, várias orações. Também aqui se manifestou a sua devoção a Maria, pois a oração mais vezes repetida foi, entre outras, a ‘Ave-Maria’. (Ao lado uma amostra do seu treino tentando recuperar o perdido).

Nos cerca de 10 dias em que ficou acamado e não podia participar em comum no terço de Fátima, eu fui rezá-lo com ele junto à sua cama, recomendando que, dado ter dificuldade na articulação das palavras, não se esforçasse por pronunciar, mas apenas acompanhasse, em silêncio e com o coração, pois Jesus e Maria entenderiam esse silêncio. Mas em vão, pois notava que sempre se esforçava por pronunciar, não apenas as palavras da sua parte da Ave-Maria e Pai-Nosso, mas tentando acompanhar-me querendo pronunciar todas as palavras…

Acrescenta o Ir. Francisco, enfermeiro, que nestes tempos, em que tratou mais de perto com ele, desde que subiu à enfermaria, foi sempre muito dócil, submisso e sensível ao sofrimento dos outros. Todos, incluindo as colaboradoras, que muito o ajudaram nos últimos tempos, sentem a sua falta e especial saudade.

………….

Nas datas mais importantes da sua vida, ‘datas chave’: Entrada na Companhia, Primeiros Votos, Últimos Votos, nas datas jubilares: (25, 50, 60, 70, 75 anos de Vida Religiosa), fazia sempre questão em celebrá-las em festa interior e no dia de um Festa de Nossa Senhora.

Ir. Américo Nunes, sj

Testemunho

O Irmão Abílio é um claro exemplar daquela geração de irmãos com uma generosidade ilimitada ao serviço da “maior glória de Deus”, como tendo feito um quarto voto de “em tudo amar e servir”.

Nasceu numa família profundamente cristã, em que rezar era tão importante como trabalhar e conviver. Baste dizer que um seu irmão é jesuíta e uma sua irmã é Concecionista ao Serviço dos Pobres. A raiz familiar foi crescendo no horizonte da Companhia de Jesus, segundo as “virtudes sólidas e perfeitas”, que Santo Inácio prescreve nas Constituições. Era fácil descobrir nele um homem de fé arreigada e de oração, qual bússola a guiar os passos da vida.

Conheci o Ir. Abílio como missionário em Moçambique, visitando-o em Lichinga, na Casa Episcopal, onde foi como “braço direito” do Bispo D. Luís Ferreira da Silva, disponível para todo o serviço: acolhedor de quem batia à porta, mordomo, sacristão, catequista, atendimento dos pobres… Foram anos de generosa adaptação a um novo continente, a uma nova cultura, a diferente modo de expressar a fé. Foi africano com os africanos. 

Depois de uma doença grave e prolongada, quando vivia na Residência de S. Pedro Claver, na Caparica, escreveu-me uma carta (2.4.2007), retrato da sua vida, que assim conclui: 

“Continuemos a rezar pelas vocações e que o Senhor suscite também alguma para Irmão Jesuíta, se for para a sua maior glória e bem das almas.

Nesta Semana Santa e sempre, continuemos a ser mais dignos das graças que o Senhor nos quer conceder. Boas Festas Pascais, que aí em Roma serão ainda com maior solenidade.

«O Espírito sopra onde quer e como quer». Não compreendendo muitas coisas, vou continuando a rezar e a estar atento ao Espírito. Ao ver as voltas que o mundo dá, procuro louvar a Deus por tudo! 

Santas e alegres festas pascais, na alegria do Senhor Ressuscitado! Um abraço pascal, grato e amigo – Ir. Abílio”.

É nesta jubilosa alegria pascal que certamente vive agora o Abílio, querido irmão nosso. Que interceda por nós, ainda peregrinos da Pátria celeste. 

Manuel Morujão, sj

Testemunho

 

O Ir. Abílio é a bela imagem do servo fiel, do discreto mas presente trabalhador da vinha. Assíduo na oração, era também com frequência que o encontrávamos na cozinha, com os seus mais de noventa anos, a preparar vegetais para as refeições desse dia. E, um pouco como São Francisco de Assis, encontrava grande gozo em comer doces. Um encanto de presença comunitária.

Umas semanas antes da sua partida para o Pai, numa das tardes que passei na enfermaria a olhar pelos nossos irmãos mais experientes, tivemos uma boa conversa sobre a sua experiência missionária em África.

A certa altura, disse-me: «nós não somos mais do que os andaimes por onde Cristo passa na construção da sua Igreja». Esta sua frase tem-me acompanhado desde então, com particular força desde a sua partida. De facto, que bela vocação a nossa.

Nada é nosso, tudo nos foi dado por Deus. Cabe-nos cuidar do que nos é confiado e dar lugar a Cristo, deixando que Ele passe por nós para chegar a outros, na construção do Reino. Obrigado, Ir. Abílio, por dar testemunho alegre daquilo em que acredita.

P. Nelson Faria, sj