Nós, para lá do verde!

A partir do rosto dos mais frágeis e do nosso estilo de vida, procuramos um caminho espiritual de diálogo, de conversação, em que aprendemos com outros o olhar contemplativo sobre a Criação que, na sua Beleza, nos envolve e acolhe.

O cuidado com a Criação não é um tema novo, mas ganhou especial para nós, cristãos de hoje, com a publicação da Laudato Si’, em que o Papa Francisco lança um forte repto a que nos deixemos tocar pelos estragos que têm vindo a ser infligidos na nossa casa comum e, através desta, em tantos irmãos e irmãs pobres e vulneráveis.

Tentando responder a este apelo do Papa e à forma recente como a Companhia de Jesus o acolheu nas Preferências Apostólicas Universais (PAU), temos tentado, ao longo deste ano, adoptar um estilo de vida mais respeitoso da nossa Irmã Terra e que possa ser sinal desta Ecologia Integral. Nem sempre é fácil encontrar linhas-mestras numa comunidade que abarca jesuítas em várias fases da formação, de diferentes idades e com pontos de vista diferentes. Por isto mesmo, mais até do que os resultados concretos,  gostava de partilhar de forma breve o processo que nos tem levado a crescer nesta sintonia com a Criação.

O começo deste aprofundamento partiu de um reconhecimento muito singelo: “Nós sabemos muito pouco disto, nem sabemos bem o que procurar!”. Apesar de estarmos cada vez mais despertos para a necessidade de conversão neste campo, as mudanças requeridas não se processam apenas a nível espiritual. Há competências técnicas que viabilizam as opções tomadas e que nós sentíamos não ter.

Neste sentido, falámos com a Margarida Alvim, da Casa Velha, para nos dar algumas luzes e nos orientar neste caminho. A circunstância foi muito feliz, já que também a Casa Velha estava a começar o seu processo de eco-diagnóstico, o que irmanou estas duas comunidades como companheiras de caminho! Aplicámos o eco-diagnóstico da Église Verte, elaborado pela Conferência Episcopal Francesa, ao nosso estilo de vida e a informação que nos foi devolvida serviu para uma primeira conversa com um grupo de voluntários da Casa Velha e com a Teresa Nazareth, cuja família também tomou a peito esta conversão. Este foi o nosso pontapé de saída e o lugar de onde começamos a perceber o que poderíamos mudar.

Depois do arranque e de muitas boas dicas, fomos definindo mudanças operativas a tomar. O maior desafio foi canalizar este entusiasmo inicial de forma equilibrada: por um lado, procurámos não cair nas decisões vagas e meramente teóricas; por outro, a mudança não poderia ser um sufoco ou uma chatice, sob pena de estarmos contrafeitos e sempre a procurar uma maneira de contornar. Olhando para a vida quotidiana, mudámos o que nos parecia primeiro, desejando perceber a reacção: mais refeições sem carne, comprar o que é da época, menos aquecimento no Inverno,  mais cuidado com os detergentes… A prudência de começar no pequeno foi um bom mote e tivémos serões bem divertidos a fazer detergente de sabão azul e branco!

O que é que ainda falta? Imensa coisa!! Tenho estado a escrever sempre no passado, e isso dá a impressão de que este processo foi já concluído, mas ainda estamos a caminhar – e com muito que fazer ainda, muito espaço para crescer!!

A escolha deliberada por uma vida mais equilibrada, mais respeitosa nas suas formas de sustento – mais pobre, é disso que tratamos! – começa como uma mudança geral de hábitos e comportamentos, mas se ficasse por aqui seria pouco! A Criação pede de nós mudança na maneira de olhar, uma conversão no modo de desejar e de receber as formas, as cores e os perfumes que nos lega o mundo. Este tipo de ressonância é lento, como todas as mudanças vitais na pessoa humana, e um são realismo serve-nos de fiel da balança. Não pode ser tomado como uma desculpa para desistir, mas um reforço nos bons hábitos que nos previne de subsidir quando falta o fulgor.

O ânimo tem sido a nota de fundo neste caminho que temos trilhado – diria até, que agora começamos! Naquela primeira conversa, a Teresa Nazareth sublinhou a necessidade de cultivar o gosto e a alegria de estar em sintonia, afinados com o ritmo da Terra, e com tantas pessoas que são afectadas pelas nossas decisões quotidianas. Sem esta alegria, a opção esmorece e, mais tarde ou mais cedo, desvanece sob tantos outros afazeres mais novos que se vão assomando nas nossas agendas.

Mais ainda, este ânimo permite que o acto de mudar seja acolhido com mais leveza, para lá da mera imposição. E, sejamos práticos, é mais fácil não querer saber! Ter cuidado com a água gasta, o plástico, o tipo de sabonete ou de detergente dá trabalho. Mas, feito com alegria, torna-se porta para muitas e boas relações.

Regressar ao desejo, rever e avaliar o que temos andado a fazer tem sido uma forma concreta de manter viva a inspiração inicial e actualizá-la. O apelo inicial de cuidado ganha raiz na vida concreta de todos os dias e abranda o ritmo dos dias, como um espaço lento no meio do corrupio diário.

Desde o início, a colaboração foi pautando o nosso desejo de conversão ecológica, talvez como apropriação das PAU a “colaborar no cuidado com a casa  comum”. Não foram as estatísticas nem os indicadores que nos sensibilizaram para este assunto, mas a percepção do impacto que o descuido com a Criação tem na vida de tantas pessoas. A Ecologia Integral é um equilíbrio na relação com o meio que nos envolve e isso expressa-se concretamente. Partindo da realidade – do rosto dos mais frágeis, do nosso estilo de vida concreto – vamos procurando um caminho espiritual de diálogo, de conversação espiritual, em que possamos aprender com outros o olhar contemplativo sobre o meio, a Criação que, na sua Beleza, nos envolve e acolhe.

 

 

Foto: Bill Oxford, Unsplash