Escolher um livro, um álbum e um filme não são coisas fáceis. Sinto que, se conheço e gosto de tanta coisa, a grande tentação é não saborear aquilo que me é constantemente oferecido. É não estar inteiro em cada pequeno-grande prazer. É saltitar de uma música para outra. É desejar colecionar o máximo de filmes vistos. É começar um livro e não o acabar (sim, eu sei, bastante condenável…). É estar em todo o lado e não estar em lado nenhum.
Mas este não é um problema só meu. Nem é uma questão só dos nossos tempos… No séc. I, Séneca aconselhou o seu amigo Lucílio: «Visto que não podes ler todos os livros que possuis, será suficiente para ti possuir só aqueles que consegues ler» porque «na leitura de muitos livros está a distração» (1).
Sigamos o seu conselho! Façamos o difícil exercício de eleger um. De olhar para as pequenas coisas boas da vida. Para que possamos saborear, na certeza de que, como me disse uma amiga, “Deus nunca se deixa vencer em generosidade”.
Li:
To Kill a Mocking Bird, de Harper Lee
Um livro? Podiam ser vários, mas será este: To Kill a Mocking Bird de Harper Lee.
Não por ser o livro que mais gostei de todos os que já li, mas por ser um que muito gozo me deu no último ano. Gozo no verdadeiro sentido da palavra. Acho que raramente há livros-para-a-vida. A maior parte dos livros são para momentos da vida – surgem quando o vento sopra, e podem-nos consolar, abrir novas portas e até dar aquele abanão que estávamos mesmo a pedir. Existem amigos-para-a-vida, mas só porque o foram naquele momento. To Kill a Mocking Bird foi um bom amigo este ano.
Vi:
America Beauty, de Sam Mendes
That’s the day I realized that there was this entire life behind things, and this incredibly benevolent force that wanted me to know there was no reason to be afraid. Ever.
Tantas vezes andamos à procura daquilo que está já à nossa frente. Queremos paz, tranquilidade, beleza. Queremos viver sem medo. Vivemos à procura, mas sem saber o que procuramos. Procuramos a vida que as coisas extraordinárias nos podem dar! Mas a vida também está nas coisas vulgares – e são essas que encontramos no nosso quotidiano. Nem nos apercebemos que o vulgar está cheio de beleza, cheio da vida que procuramos. Confundimos o vulgar com o espetacular, e tomamos a miséria como um milagre.
O discernimento é exatamente a flagrante oportunidade de evitar que um milagre seja tomado como uma miséria, ou uma miséria seja tomada como um milagre (2)
Ouvi:
: ) de Pau Vallvé
Eu podia explicar-vos porque escolho este álbum mas deixo o próprio Pau Vallvé dizer-vos: Eu desço para andar pelas ruas / com aquela playlist / Aquela que me permite espaço / para divagar e pensar / e começo a rever o dia / e o que tenho amanhã
(Extra: Um podcast)
Nunca fui muito um homem de podcasts – até encontrar este. De um modo simples, o Philosophy This! explica os grandes pensadores e as grandes ideias que moldaram e moldam o nosso mundo. Sugestão: vê os nomes dos episódios e escolhe um que te interesse, depois, se gostares, aventura-te noutros! (Eu gostei especialmente dos episódios que explicam o Amor e a Liberdade em Erich Fromm)
(1) Séneca, Cartas a Lucílio, Carta II
(2) Tiago Cavaco, Doidos por discernimento, p. 7