Nunca na minha vida tinha tocado num lápis ou num pincel para desenhar fosse o que fosse. Até que um dia, quando estava no Noviciado da Companhia de Jesus, a minutos de ir para os Exercícios Espirituais de 1 mês (EE) – retiro de oração e de silêncio, criado por Santo Inácio de Loyola-, passei por uma pintura a aguarela, despercebidamente colocada nos corredores da comunidade. Olhei-a atentamente e pensei: “Oh! Eu consigo fazer isto!!”. Então, peguei numa data de material, levei-o para os EE e aventurei-me nas pinturas pela primeira vez.
Acabei por fazer um desenho por cada dia dos EE, não na obrigação ou distracção de os fazer, mas como resultado puramente espiritual que concluía o meu dia de oração. Sentia um verdadeiro impulso em pintar a minha oração. O meu coração parecia pedi-lo!
Ao rever os EE e os desenhos feitos, comecei a achar desconcertante que, ao olhar para os desenhos, os achasse “artisticamente” feios, ou bonitinhos vá, mas no fundo, no fundo, achava-os belos!! Havia ali algum mistério por detrás do próprio desenho. Parecia ser mais que umas pinceladas e uns riscos, trazia em si uma mensagem densa e profunda que brotava de toda a simbologia do desenho, mesmo que este fosse só uma mancha unicolor.
Mais tarde, os meus pais ofereceram-me um livro de poesia (quem diria… Eu a ler poesia!). Deste livro, sem dúvida alguma que o poema que mais me moveu foi o que vinha logo na primeira página, assinado com um nome que me era familiar (literalmente):
“Está tudo dito,
Tudo!
E no entanto continuamos
e dizemos
e escrevemos
e dançamos
e pintamos
até que descobrimos
que apesar de tudo dito
o que falta é nos
dizermos
escrevermos
dançarmos
pintarmos.
Somos nós que estamos incompletos.”
(Pais)
Este foi o primeiro passo para começar a perceber como a incompletude pessoal e a insuficiência das palavras para me exprimir são capazes de dar mais cor às minhas pinturas. Mais tarde, com a ajuda e intercessão do Padre Arrupe, Geral da Companhia de Jesus entre 1965 e 1983, comecei a tomar consciência que transportava “um segredo pessoal, que nem mesmo o próprio sempre compreende totalmente.” Esta parte oculta, ou semi-oculta, é a verdadeiramente interessante porque é a mais íntima, mais profunda e mais pessoal; “é a área de relação mais estreita entre Deus, que é amor e que ama cada um de forma diferente, e a pessoa, que no fundo da sua essência dá uma resposta única. (…) É o segredo do maravilhoso amor Trinitário, um amor que irrompe quando quer na vida de cada um, de uma maneira inesperada, inexpressável, indizível, irracional, irresistível, mas por sua vez, maravilhosamente decisiva”. (“Três amores, três modelos”, Pedro Arrupe)
Totalmente entregue ao indizível, procurei na pintura um meio de encontro com Deus nesta intimidade mais profunda, neste segredo pessoal que as palavras não eram capazes de expressar, na comunhão deste amor Trinitário que faz questão de se manifestar irracionalmente, garantindo-lhe um sentido e razão renovados!
Desde esses Exercícios Espirituais de 1 mês, continuei a pintar, ora para expressar o inexpressável, ora para sintetizar algo muito profundo da oração, em que as palavras ficavam aquém e, também, para fazer do próprio acto de pintar, uma oração viva e verdadeira, entregue a Deus, sem a confusão dos pensamentos ao barulho. Hoje, tenho a minha vida espiritual guardada no coração por imagens, o que me ajuda a recordar as graças recebidas e também a ter presente, com maior facilidade e proximidade, o meu caminho no Senhor.
Agora em Braga, durante o Juniorado, integrei um atelier de Pintura, que me ajuda a explorar e a desenvolver a técnica desta arte. Talvez no futuro, mais adiantado na técnica, ganhe liberdade para abrir o leque do expressável no papel, garantindo uma memória mais viva dos momentos importantes da minha vida espiritual.
Por isso, longe de desejar palmas, elogios, apupos, vaias, likes ou dislikes, aqui fica uma partilha sincera daquilo que posso chamar oração, na esperança de inspirar cada um na procura do seu indizível, de modo a descobrir “que apesar de tudo dito / o que falta é nos…”