Introdução

Na segunda parte do Livro III da Ética a Nicómaco, depois de ter centrado a sua investigação no que define uma ação humana e, em virtude disso, no que significa uma ação voluntária e escolhida, Aristóteles vai apresentar-nos as duas virtudes que se referem às partes irracionais do homem: a Coragem (Andreia) e a Temperança (Sophrosune).

Embora em formas e em proporções diferentes, estas duas virtudes estão relacionadas com o prazer e com o medo (e, portanto, com a dor) e, por essa razão, com as partes irracionais do homem. 

Uma vez que as virtudes são meios e não fins, tanto a coragem como a temperança visam alcançar o que é nobre, encontrando o justo meio-termo, entre o excesso e o defeito. Por outras palavras, são o estado de carácter de quem não se deixa dominar pelo prazer ou pelo medo, reconhecendo a sua existência.

Um ponto importante é saber que nos tornamos quem somos através de cada decisão, pois essa ação pode cultivar virtudes ou vícios. Assim, devemos procurar hábitos que nos tornem cada vez mais virtuosos – neste caso, corajosos e temperantes. Mas como é que eu sei se uma determinada ação me vai colocar neste caminho? Para Aristóteles, não existem grandes regras universais aplicáveis a todos os contextos. É preciso estar atento ao homem sábio – e um verdadeiro sábio todos nós o reconhecemos, ainda que não saibamos dizer o porquê de o considerarmos como tal -, porque só eles são a medida para cada situação e só eles são capazes de orientar, no seio de uma comunidade, aqueles que ainda estão longe da excelência.

1. Coragem

O desenvolvimento das virtudes, através dos hábitos, leva a ‘pessoa boa’ (ou a pessoa que procura ser boa) a fazer «as coisas certas e com o motivo certo, da maneira certa e no momento certo» [1] . Assim também, quem é verdadeiramente corajoso não deixa que as suas ações sejam determinadas pelo excesso de medo ou de confiança, pois procura os meios adequados para o que é nobre (kalos) em cada situação. Fazer a coisa certa tem a ver com lidar com emoções e desejos, mas acima de tudo com a própria ação! Os vícios relacionados com esta virtude são a cobardia (excesso de medo), a temeridade (excesso de confiança) e, em casos raríssimos, a falta de medo perante situações justamente temíveis.

Para Aristóteles, a virtude da coragem é definida a partir do momento em que se está diante de uma morte nobre, que seria no campo de batalha. Esse é o padrão, pois 1) a coragem se refere aos medos; 2) a morte é o maior de todos os medos e 3) a morte no campo de batalha é a mais nobre, na medida em que se está disposto a dar a vida pelo que é justo. O homem corajoso, apesar de sentir medo, é destemido perante este tipo de morte, e a sua coragem manifestar-se-á também noutros momentos.

O motivo desempenha aqui um papel fundamental, uma vez que se pode agir parecendo corajoso aos olhos dos homens e, no entanto, agir assim por experiência, medo, vaidade, paixão, entre outros motivos.

E quanto mais virtuoso e feliz for, mais lhe doerá o pensamento da morte; pois é para tal homem que mais valor tem a vida, e ele conscientemente renuncia ao maior dos bens, o que é doloroso. [2]

2. Temperança

Esta virtude, ao contrário da coragem, está mais relacionada com o prazer do que com a dor, embora também esteja relacionada com esta. No entanto, Aristóteles distingue vários tipos de prazeres, e a temperança diz respeito apenas a alguns prazeres corporais, nomeadamente o tato.

No caso desta virtude, o homem virtuoso é aquele que sabe apreciar os prazeres sem deixar que eles ordenem as suas ações, e por isso não sente dor na sua ausência. Porque ama o prazer como a reta razão o prescreve, sabe também ordenar esse prazer numa espécie de hierarquia. 

Um homem temperante deve saber desfrutar das coisas certas, no momento certo, com os motivos certos e da maneira certa! Porque se não, este ou é auto indulgente ou insensível, e como o segundo tipo de homem é raro e geralmente patológico, Aristóteles concentra-se no primeiro vício. Para o filósofo, «a intemperança assemelha-se mais a uma disposição voluntária do que a covardia», porque em relação à dor fugimos dela (e, portanto, não fazemos o que está certo), mas em relação ao prazer, que é bom, escolhemo-lo (e isso pode levar-nos a fazer o que está errado).

Bibliografia

[1] Aristotle, III.7, 115b18

[2] Aristotle, III.12, 119a21

Aristotle. The Nicomachean Ethics. Traduzido por William David Ross. Ed. rev. Oxford World’s Classics. Oxford: Oxford university press, 2009.