“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

Hoje, como ontem, o risco de nos deixarmos adormecer espreita-nos. O “sempre foi assim”, o “já sabemos”, entorpece-nos o coração. Estamos contentes, satisfeitos com o que já controlamos. O poder, que esta impressão de saber causa em nós, fecha-nos num autocontentamento.

Há um cantar português que diz: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Jerusalém, embevecida pelos encómios da profecia de Isaías, parece ter-se deixado dormir. Não atendeu ao apelo do profeta. Despertará, mas perturbada pelo tropel daqueles que vêm de longe. São os magos, vindos do Oriente, que a tiram da sua sonolência e despertam a quantos encontram, no seu caminho de busca. O desejo que os move está em sintonia com a estrela, que adiante deles brilha e fascina. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo conhecem a profecia do grande acontecimento. A antiga profecia de Miqueias não foi esquecida, simplesmente, não lhe deram a devida atenção. O acontecimento teria lugar quase em casa e essa proximidade atraiçoa-os.

“Onde está?”, perguntam os magos. Este perguntar é também eco do seu perguntar-se interior. Nas suas pesquisas, deixaram-se tocar por esse grande acontecimento, o nascimento do rei dos Judeus. As perguntas, que os seus estudos suscitaram, levam-nos longe. Cruzam-se com as perguntas do seu coração. Lugares e pessoas são pontos de passagem, no seu caminho ao encontro do Rei, que a estrela diz ter nascido. Saem. Querem adorá-Lo, prostrar-se diante d’Ele, reverenciá-Lo, prestar-Lhe vassalagem. Tudo sinais de um coração inquieto, que procura, desde sempre, encontrar o seu lugar de adoração. Um cordial desejo que lhes serve de bússola, que os ajuda no seu caminhar.

“Onde está?”, perguntam os magos. Este perguntar é também eco do seu perguntar-se interior.

Este perguntar-se foi concedido a todos os povos. De um lado ao outro da terra, de muitas formas, por vezes tão díspares, a pergunta irrompe: onde está Aquele a quem queremos adorar? Todos se movem por este amor, que quer encontrar resposta. Todos são amados, todos querem amar. A adoração é a manifestação de um reconhecimento: só Deus é Deus. A ninguém mais devemos a nossa existência. Se estamos aqui, se vivemos, somos chamados a agradecer, em primeiro lugar, antes de tudo e de qualquer outra pessoa, ao Senhor da Vida. Só perante Ele, somos chamados a prostrar-nos, a adorar. A manifestar a todos o nosso amor primeiro. Não há amor anterior nem maior do que este, que é a fonte de todos os amores. Só o Deus Amor é passível de adoração.

Hoje, como ontem, o risco de nos deixarmos adormecer espreita-nos. O “sempre foi assim”, o “já sabemos”, entorpece-nos o coração. Estamos contentes, satisfeitos com o que já controlamos. O poder, que esta impressão de saber causa em nós, fecha-nos num autocontentamento. Olhamos desconfiados, para aqueles que não vemos habitualmente a nosso lado, nas liturgias que frequentamos. Com facilidade, achamos que nada temos a aprender, com aqueles que nos parecem mais distantes dos nossos ritos. Hoje, temos a graça de ver entrar, pelas nossas portas, forasteiros que nos despertam, que nos ensinam a reconhecer uma marca inevitável do amor de Deus, a universalidade. Deus ama a todos. É natural que todos sintam o desejo de responder a esse amor, de amar.

Hoje, temos a graça de ver entrar, pelas nossas portas, forasteiros que nos despertam, que nos ensinam a reconhecer uma marca inevitável do amor de Deus, a universalidade.

Quantas vezes, os que nos parecem mais distantes, nos manifestam formas distintas de amar e de adorar. Dêmos graças, a Deus, por eles, pois alargam e enriquecem o nosso modo de responder ao amor de Deus.

P. Sérgio Diz Nunes, sj