Em Tempo Pascal, a viver a Fé em casa – D. Manuel Felício

Saúdo-vos na alegria da Páscoa que estamos a viver. Na madrugada da Ressurreição, as mulheres dirigiram-se ao Sepul¬cro. O corpo não estava lá e o primeiro pensa¬mento foi o seguinte: roubaram-no.

Estimados amigos e irmãos em Cristo:

Saúdo-vos na alegria da Páscoa que estamos a viver.

Na madrugada da Ressurreição, as mulheres dirigiram-se ao Sepul­cro. O corpo não estava lá e o primeiro pensa­mento foi o seguinte: roubaram-no. Mas foram surpreendidas por outra explicação, vinda daquele jovem vestido de branco e depois confirma­da pelo mesmo Jesus que lhes apareceu, com esta ordem: não é tempo de desânimo nem descoroçoamentos. Ide dizer aos meus irmãos que partam para a Galileia, esse lugar onde tudo começou e agora vai continuar, mas de forma nova, pois o horizonte passará a não ser apenas aquele espaço de reduzidas dimensões e muito desconhecido (a Galileia), mas sim o mundo inteiro que, de facto, aguarda a definição de novos rumos (ver Mateus 26, 1-10).


Confiados na mesma Palavra de Jesus, temos a certeza de que também para nós a vida vai continuar, embora com muitas diferenças no futuro próximo. Foi isso o que aconteceu também aos discípulos que, depois da crise, consubstanciada no abandono do Mestre e  na notícia escandalosa da Sua morte na cruz, estavam dispostos a deixar o sonho e voltar às anteriores ocupações. Mas, a alegre notícia da Ressurreição e o mandato novo para mudarem de rumo em direção à Galileia marcaram a diferença.

Nós já vivemos grande parte da Quaresma, a Semana Santa e o Tríduo Pascal, incluindo o Domingo de Páscoa, em casa, sem possibilidade de participarmos juntos em celebrações comunitárias da Fé. E durante mais algum tempo assim vamos continuar.

Mas a fonte da nossa alegria e da nossa esperança, que está no Se­nhor Ressuscitado, essa queremos preservá-la e fortalecê-la, tudo fa­zen­do para que, nestes tempos difíceis, Ele seja o nosso conforto e razão para não baixarmos os braços.

Estaremos sempre atentos às orientações que nos vão sendo dadas pelos nossos Párocos, podendo contactar com eles para pedirmos alguma orientação e mesmo fazermos as nossas sugestões.

Todavia, estes são tempos para vivermos a Fé em família, que constitui a primeira experiência de Igreja. Por isso lhe chamamos Igreja doméstica. Sobretudo a vivência do domingo em família, com partilha da Palavra de Deus e oração comunitária, a valorização dos símbolos da Fé, que também temos espalhados pelos nossos ambien­tes familiares, são importantes formas de celebrarmos e aprofundar­mos a Fé. E também não vamos esquecer a catequese, tanto a dos mais pequenos, como igualmente a dos mais crescidos, pois o aprofunda­men­to da experiência da Fé, com todas as suas implica­ções, quer na vida pessoal e familiar quer nos compromissos sociais, nunca o podemos interromper.

Da nossa Fé deriva o imperativo especial de estarmos atentos aos que mais precisam. E é natural que as atuais condições de pandemia façam aparecer novas necessidades, às quais queremos estar atentos. É preciso que estejamos próximos dos mais necessitados e dos que mais sofrem, procurando responder sobretudo às situações de solidão e abandono. Pode acontecer que, nestas circunstâncias especiais as pessoas mais fragilizadas pela idade ou outras razões exijam o nosso empenho mais direto e precisem que lhe ofereçamos os nossos serviços, mesmo tendo de correr alguns riscos. Se tal acontecer, tenhamos a certeza de que é o Senhor a convidar-nos para não passarmos ao lado, diante do irmão estendido à beira do caminho. Não queiramos seguir o exemplo do sacerdote e do levita, mas assumir corajosamente a atitude do bom samaritano, que soube parar e cuidar (ver parábola do Bom Samaritano, Lucas 10, 30-37).

Respeitando as orientações de contenção quanto a sair de casa e nas relações sociais, sem deixarmos de utilizar os meios necessários para não perdermos o contacto com as pessoas, como sejam o telefone e outros, vamos procurar que a Fé no Senhor Ressuscitado seja a força que nos motiva para o serviço que nos for pedido, sem descurarmos os que estão mais perto de nós, a começar pelo espaço das nossas famílias.

Este tempo de paragem forçada também pode ajudar-nos a ver como é que as nossas comunidades hão-se saber reorganizar-se para conseguirem melhores resultados na vivência da Fé e nos seus efeitos quer para dentro quer para fora da Igreja.

Pensando, em primeiro lugar, para dentro da Igreja e da vida das nossas comunidades, temos de saber tirar algumas conclusões, a par­tir dos constrangimentos a que estamos obrigados neste tempo espe­cial. Sem celebrações comunitárias, sobretudo as assembleias dominicais, sem festas, sem as reuniões e os encontros habituais nas nossas paróquias, a começar pela catequese, vivemos a Fé, agora, em situação especialíssima, que também pode ser oportunidade de alguma purificação.

E dessa purificação faz parte aceitarmos que sejam revistos o número, os locais e os destinatários das nossas celebrações dominicais; as formas como organizamos as nossas festas de padroeiros e santos populares; e as iniciativas novas que precisamos de tomar para que a formação na Fé seja sempre a grande prioridade da nossa ação Pastoral, assim como as as propostas de evangelização que dela derivam.

Sobretudo temos de saber levar a sério os indicadores que nos vêm dos sinais dos tempos, porque, na realidade, hoje não há condições para fazer tudo o que se fazia há 50 anos. E mesmo que houvesse, a Fé manda-nos olhar para a frente e não viver do saudosismo do passado.

A este propósito, o Papa Francisco recomenda-nos: “A pastoral exige o abandono deste cómodo critério pastoral – fez-se sempre assim. Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respetivas comunidades” (Evangelli Gaudium, 33).

Por isso, com criatividade, procuremos ajudar a inserir e articular sempre mais e melhor os diferentes ministérios com os quais, por Sua graça, o Senhor tem enriquecido as nossas comunidades. E isto de tal maneira que elas vivam não apenas do Pároco e das suas iniciativas, mas cada vez mais da equipa pastoral a que ele preside.

O esforço de reorganização pastoral da Diocese em que continuamos empenhados procura trilhar estes caminhos, mas há ainda um longo percurso a fazer, sobretudo quanto à mudança de mentalidades. Coloquemos esta causa na nossa oração em família.

 

Por sua vez, o esforço de partilha, que a nossa Fé inspira, não pode parar nestes tempos difíceis. E falamos de partilha para obviar às necessidades das nossas comunidades, principalmente agora que não há presenças no espaço físico das Igrejas; falamos também de partilha com os serviços paroquiais e outros, que têm a missão de estar atentos aos mais necessitados.

 

Mas o nosso olhar, nestes tempos de paragem obrigatória, não pode confinar-se ao interior da Igreja. É preciso voltá-lo também para a consideração do que tem de ser a vida da nossa sociedade no futuro novo a que a pandemia nos vai obrigar. Em vez de nos deixarmos surpreender por esse futuro diferente, que obrigatoriamente nos baterá à porta, o melhor é participarmos, quanto de nós depende, na sua definição.

Ora, nós precisamos de uma sociedade onde todos estão mais atentos a todos, privilegiando os mais frágeis. De facto, as fragilidades, seja por razões de idade ou de doença ou de pobreza material ou outras têm de ter prioridade.

Precisamos de caminhar para haver mais equilíbrio nas diferentes situações das pessoas, evitando os extremos da opulência e da miséria. Por sua vez, os recursos que são de todos têm de ser bem geridos, com o pensamento em todos. E esses recursos vão desde o emprego a manter ou a criar ou a distribuir até ao respeito pelas pessoas nas suas situações variadas e pela própria natureza que, de facto , foi criada para ser casa comum, com mesa posta para todos.

Precisamos que as lideranças cultivem a proximidade com todos e cada um, sintam como suas as situações das pessoas e se organizem para não deixar ninguém no isolamento ou no abandono.

Todos temos de estar dispostos a colaborar também com os sacri­fícios que o futuro nos vai exigir, atendendo às previsões de recessão global. E dentro desses sacrifícios estará certamente a disposição para consumirmos menos e partilharmos mais.

Que a Páscoa do Senhor Ressuscitado, fonte de alegria e esperança para nós e para o mundo, nos inspire e nos motive para percorrer­mos, com a necessária determinação, esses novos caminhos, sabendo que todos somos passageiros do mesmo barco.

Votos de continuadas Santas Festas Pascais, aleluia.

13.4.2020

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda