Caríssimos Amigos
Neste dia da Solenidade da Anunciação do Senhor, tão especial para Santo Inácio de Loiola, queremos dirigir-vos uma palavra de alento e de confiança, que igualmente vos poderá servir de meditação.
Os tempos difíceis, mas também de esperança, continuam. Todos, sem excepção, somos chamados a vivê-los. O Senhor fala-nos na história, nos seus acontecimentos. Convidamos-vos, pois, a cultivar uma atitude de escuta, à semelhança de Nossa Senhora. Ela, no silêncio e recolhimento da normal e quotidiana vida doméstica, abria o seu coração e entendimento à Palavra do Senhor.
Neste preciso momento, somos convidados a estar em casa e por casa. Com a ajuda de Santo Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus, e dos seus Exercícios Espirituais, gostaríamos de vos convidar a erguer o olhar e o pensamento. A deixar, por momentos, o lugar em que nos encontramos, para ir ao Encontro da Santíssima Trindade, que do alto, amorosamente, nos contempla.
Santo Inácio recorda-nos como a Santíssima Trindade, na Sua eternidade, determina que a segunda pessoa se faça homem, para salvar o género humano. E, assim, chegada a plenitude dos tempos, é enviado o anjo São Gabriel, a nossa Senhora. E convida-nos, a partir do alto, de junto de Deus, a ver a grande extensão e redondeza do mundo, no qual estão tantas e tão diversas gentes. Assim mesmo, depois, ver, particularmente, a casa e os aposentos de nossa Senhora, na cidade de Nazaré, na província de Galileia.
É uma proposta bastante inspiradora e ao mesmo tempo provocadora. Não quer que fiquemos encerrados, no medo e na lógica terrena do castigo divino. Convida-nos a ter um olhar salvador, um olhar misericordioso. Nós, os cristãos, perante o mal no mundo, não nos podemos refugiar na lamentação nem na resignação. Somos convidados ver em cada homem e em cada mulher um irmão, uma irmã, com quem Deus se identifica totalmente. E, por isso, a nossa pergunta não pode ser: “Onde é que está Deus?”, pergunta mais própria de quem diz não acreditar n’Ele, mas sim: “Que posso eu fazer, para libertar a Deus do sofrimento em que se encontra?”. A Sua paixão continua hoje, no aqui e agora, da nossa história, no aqui e agora desta pandemia, que não tem fronteiras. Somos, antes de mais, interpelados a abrir o coração às palavras de Jesus para Nicodemos: “Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (João 3,17).
Diz-nos igualmente que vem ao nosso encontro, até onde estamos. Da imensidade dos Céus à pequenina casa de Maria, em Nazaré. Da imensidade do Seu amor ao mais pequeno recanto do nosso coração. Para o abrir, para o rasgar, para o alargar. Quer fazer do nosso coração um coração em tudo semelhante ao Seu. Seremos perturbados, perguntar-nos-emos como será isso? O Senhor, no entanto, nunca Se perturba pela nossa pequenez, nem pelas nossas dúvidas e perguntas. Simplesmente vem. E vem inteiramente, dando-Se, entregando-Se, fazendo-Se um connosco. Neste movimento de vinda ao encontro do nosso coração, a que podemos chamar oração, elevamo-nos e passamos a ver com Ele e como Ele.
Os muros das nossas casas perdem opacidade e ganham transparência. Deixam de estar neste ou naquele lugar, para passarem a estar no centro, no meio de todos. E assim, do meio e do alto, olhamos e vemos que Deus fez o Mundo amorosamente. O Mundo sem muros, sem barreiras, sem fronteiras de qualquer género. Fê-Lo como um jardim, onde todos podemos partir ao encontro de todos. Onde todos gostamos de estar e de sair, no final da tarde, a dar um passeio, desfrutando da brisa que sopra. Ele, feliz, virá ao nosso encontro, perguntando-nos, de novo, onde estás? E nós em coro, desta vez, não nos esconderemos, mas responderemos: Vem, estamos aqui. Perceberemos, então, ainda que aturdidos, pela dor e incerteza que vivemos, que o mistério da Encarnação dá lugar, naturalmente, ao mistério da Visitação. Teremos que, com paciência e confiança, saber que o Senhor nunca nos defrauda, que sempre vem ao nosso encontro e caminha connosco, a nosso lado, por todos os caminhos da nossa vida. Teremos a arte e a virtude de saber esperar. Teremos que aguardar que a tormenta passe e que, pelas fissuras das paredes que os nossos medos ergueram, venha ao nosso encontro o Senhor. Perguntaremos: “De onde nos é dado que venha ter connosco o Senhor?” Ele responderá: “Não temais, pequenino rebanho, Eu venci o mundo”.
Sim, a nossa cidade, a Covilhã, a nossa terra, Portugal, são pequenos canteiros do jardim que Deus fez para nós, para todos nós. A paróquia de São Pedro é só uma pequena leira da nossa cidade, com a sua beleza própria, a par das leiras de São Martinho, de Santa Maria, de São José dos Penedos Altos, da Imaculada Conceição. Este é o momento favorável, este é o tempo da graça, para descobrirmos que as nossas paróquias não são mais que instrumentos para facilitar a comunhão, para que a entreajuda seja mais fácil, para que a Igreja seja mais Igreja. Peçamos ao Senhor a graça de aproveitarmos este tempo de Quaresma e de quarentena, para centrarmos, à semelhança de Nossa Senhora, o nosso coração no essencial. No irmão, que ao nosso lado necessita da nossa palavra, da nossa visita, da nossa caridade. Dêmos as mãos, acompanhemo-nos uns aos outros, rezemos uns pelos outros, especialmente pelos mais pobres.
Contem connosco, contem com a Paróquia. Estamos juntos.
P. Manuel Vaz Pato, sj
P. Rafael Morão, sj
P. Sérgio Diz Nunes, sj