« Quando nos enviam para uma missão cujo padroeiro é o nosso Santo “preferido”, como podia não ser um tempo de graça?
Foi um mês e meio.
O quê? Já acabou?! – É verdade.
Jesus, que se fez indubitavelmente presente do dia 16 de fevereiro ao dia 1 de abril (no qual, mentiras à parte, O anunciamos ressuscitar!), ficou a continuar o trabalho, mas o Rui e eu viemos embora. Este tempo de prova na Covilhã foi isso mesmo: depois de 44 dias a proclamar a Sua morte, tivemos a suprema alegria de O anunciar ressuscitado durante menos de 24 horas. Mas foi certamente o suficiente para o Ressuscitado continuar o Seu trabalho.
Digo prova, não apenas por ser esse o termo “técnico” (“Prova de Inserção Comunitária”), mas por o ter sido verdadeiramente: como foi bom provar a Covilhã! Provar a Paróquia, provar a Catequese, provar o Hospital, provar a Comunidade… Se cozinhar é uma arte, esta prova foi uma obra-prima. Uma obra-prima que passou muito pelo cuidado dos doentes no Hospital, pela animação da Catequese, pela vida na paróquia e, claro, pela comunidade jesuíta.
E que bela comunidade esta que “me saiu na rifa”! A doçura do P. Henrique não se confunde! Nem a alegria do P. Manuel, ou a atenção e cuidado incansável do P. Rafael. O que dizer das conversas com o P. Sousa sobre aquelas terras além-mar? Os exemplos de ser “crescido” nesta vida de entrega para os outros. E, se nalguns a idade já vai avançada, é ultrapassada pela paciência, sabedoria e amor. Companheiros de Jesus? Sim. Mas, antes disso, claramente Seus amigos.
Ao regressar a Coimbra, quando me perguntaram o que fiz lá pelo Hospital, a primeira resposta foi “conversar com eles”. Depois vieram-me os escrúpulos quanto à exatidão dessa resposta: de facto, foi mais ouvir que falar. Mas, realmente, quando ouvimos o outro como deve ser, é verdadeiro diálogo. Então foi isso mesmo: passei o tempo no hospital a conversar com os doentes. Uns, doentes porque partiram uma perna; outros, porque o cancro é uma realidade. Mas com todos eu tinha algo de comum: Jesus é o nosso médico. Quem diz “médico”, diz “médico”, ”enfermeiro”, “fisioterapeuta”, “cirurgião”, “voluntário”, “auxiliar”…
E, porque Jesus é o nosso médico, parte da conversa que tinhamos passava pela Comunhão, nos casos daqueles que assim o desejavam. E, nestas “conversas” em que foi quase só ouvir, eis que me cabia finalmente falar: “A Paz seja nesta casa! … Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira o pecado do mundo… Corpo de Cristo!” – “Ámen”. Está tudo dito e tudo ouvido. Cristo ressuscitou. Aleluia! Há algo mais belo do que o filho que encontra finalmente o pai, do que o servo que encontra o seu Senhor?
Pela Paróquia, é certo que acolitávamos – e que alegria ajudar a servir o Altar do Senhor – e que animávamos uns terços e umas orações, íamos a uns grupos, dávamos uns testemunhos e até à catequese fomos… até se podia incluir aqui a Pastoral Universitária, porque, de facto, o que interessa são as pessoas, e nada no mundo podia dar mais consolação do que ver que “onde dois ou três se juntam” em Seu nome, Ele lá está!
Mas, no meio de tanto correr e fazer, o que interessa são esses “dois ou três”. Esses são a paróquia de S. Pedro… É certo que às vezes esses (dois, ou três, ou quarenta) não são melhores amigos, e até se dão mal. Mas o que temos à frente desta nossa fragilidade? Um caminho para diante, que termina aos pés d’Aquele que caminha connosco. “Passo a passo, grão a grão”, diz a música.
Como falar da Paróquia de S. Pedro sem falar no… Barcarola?! – Que bom estar lá. Mesmo quando não estava, e estava na secretaria com a Regina, ou no piano a fazer barulho, ou cá fora a conversar com alguém, ou no quarto a ler. Não estando, estava, porque em Igreja é assim. E, quando a Igreja se reúne onde não há um sacrário, Ele está presente de um outro modo. Que bom que foi sentir aquela alegria – mesmo não gostando eu de café.
E a Pastoral Universitária… céus, que trabalheira. Mas é assim mesmo, às vezes a vinha do Senhor está ao sol: é preciso trabalhar na mesma. E de sorriso nos lábios, porque primeiro nos sorri o Senhor.
Onde há trabalho, há recompensa (“o trabalhador merece o seu salário”). E os sorrisos de cada um em cada parte foram a grande recompensa que o Senhor nos quis dar.
Não podia não mencionar – que seria? – aquilo que a todos os que me viram mais de perto na prova é óbvio: a alegria que me deu o coro da catequese.
“A todos” menos àqueles que estavam no coro e que ouviram o meu mau cantar. Mas esses são precisamente os culpados desta minha paixão. Eu por coros não tenho grande interesse… mas por pessoas? Sabia eu que gostava de crianças, mas não imaginava o quanto! E quantas amizades lá cresceram. Não digo nomes porque tem-los Deus. Mas a quantos concertos, musicais e audições me levaram essas amizades? E não é a música que interessa, mas as pessoas. E, em última análise, nem as pessoas, mas Cristo que nelas faz morada e vem habitar. Mais que habitar, viver. E, se Ele vive nelas, nelas faz aquilo que é próprio de Quem vive: ama, comunica-Se, dá-Se. Muito me falou e amou o Senhor Jesus naquele coro.
Quantos ensaios e brincadeiras? Quantos “Lara, roubei-te o nariz” e “Chiu!! A Maria está com aquele olhar”? Quantos sorrisos? Fogo. E há quem diga que Cristo não ressuscitou? Um ensaio naquele coro e depois digam-me. Se Jesus não está vivo, se Jesus não está aqui, então eu não sei nada…
Mas, para nossa sorte, Ele está mais do que vivo! Não sei qual é a palavra para “mais do que vivo”. Enfim. Não sei a palavra, mas sei onde: no coro da catequese.
Bem, o melhor é mudar de assunto, que daqui a nada começo a chorar.
Cabe-me confessar, aqui, diante de todos os que me quiserem “ouvir” (ler), que não tinha grandes esperanças nesta Prova de Inserção Comunitária. “Exercícios de Mês? Ok, isso marca. Trabalhar num hospital psiquiátrico tanto tempo? Wow, isso marca. Duas semanas a caminhar sem comida ou dormida garantidas? Fogo, confiar assim em Deus tem que marcar! Agora… Um mês e meio numa paróquia? Por favor!”. A Covilhã fez-me perceber que estava enganado. Ou melhor, um mês e meio numa paróquia não me marcaria, se na paróquia não houve nenhuma pessoa. Não foi o caso. São muitas pessoas, muitas histórias, muitos sorrisos, muitas amizades.
Nestas amizades – e cada uma é uma amizade em Jesus e com Jesus – está o desejo de amar e servir Aquele que nos amou e serviu primeiro. “Compreendeis o que vos fiz?” (Jo 13, 12), pergunta o Mestre ao lavar-nos os pés. O Senhor amou-me (ama-me!) e enviou-me à Covilhã. E lá, com as abundantes graças que me concedeu, eu O pude amar de volta.
Amar não é uma coisa abstrata. Amar é dar a vida.
Ele disse “Tomai e Comei”, e ofereceu-se todo.
Este mês e meio foi a minha vez. “Tomai, Senhor, e recebei”.
Aquilo que Ele me dá desejo de fazer – amá-l’O desde as entranhas e servi-l’O nos outros – me dê também desejo de conseguir.
O resto não importa. Ou melhor, importa; mas, diante do amor de Deus, é como se não importasse.
Jesus ressuscitou.
Dizem que vivia em Nazaré. Talvez, há muito tempo. Hoje, encontrei-O na Covilhã.
Há uns anos, num campo de férias, cantávamos com alegria: “Agora nada pode ser igual!”. E não pode. Depois de O encontrar assim… não pode!
Podia ficar aqui para sempre a falar das maravilhas que o Senhor fez em 45 dias na Covilhã. Aliás, é como S. João termina o seu Evangelho: «Há ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se elas fossem escritas, uma por uma, penso que o mundo não teria espaço para os livros que se deveriam escrever.» (Jo 21, 25)
Muito mais poderia dizer e contar.
E conto… conto com as orações de todos. Não para que eu seja “um bom padre”, como certamente rezariam, nem sequer “um bom cristão”. Mas simplesmente para que eu ame Jesus: “Dai-me apenas, Senhor, o Vosso amor e graça, que esta me basta!” (S. Inácio de Loiola).
Afinal, Ele é que me amou primeiro. Há muitos anos e desde aí; e agora de novo na Covilhã!
Obrigado por lerem tudo… e desculpem não ter melhores palavras para falar de como fui amado. Mas fui.
Ámen. Aleluia!»
Gonçalo, nsj