P. José Augusto Sousa

08.12.1933 – 07.02.2023

Biografia

José Augusto Sousa nasceu na povoação de Matança, freguesia de Magueija, no concelho de Lamego, no dia 8 de dezembro de 1933. Fez os estudos secundários na Escola Apostólica de Macieira de Cambra e entrou na Companhia de Jesus no dia 7 de setembro de 1952, em Soutelo. Depois dos dois anos de Noviciado estudou Humanidades (1954-1957) e em 1957 foi para a Faculdade de Filosofia de Braga onde se licenciou em Filosofia em 1960.

Fez a etapa do Magistério na Missão da Zambézia. Esteve na missão da Fonte Boa, Angónia, a estudar a língua local durante uma ano e em 1961 foi para a missão de Boroma, onde foi professor e prefeito dos alunos da Escola de Formação de Professores. Estudou teologia na Faculdade de Teologia S. Francisco de Borja, em San Cugat del Vallés, Barcelona, durante quatro anos.

Foi ordenado sacerdote no dia 3 de julho de 1966, em Lisboa, na Igreja do Colégio de S. João de Brito. Licenciou-se em Teologia em 1967 e em seguida foi para o Instituto Lumen Vitae, em Bruxelas onde se especializou em catequética. Em 1968 regressou a Moçambique e aceitou integrar a equipa do Centro Catequético de Nazaré, em Inhamízua, a cerca de 15 Km da cidade da Beira que começava, nesse ano, a formar as primeiras 15 famílias das dioceses da Beira, Tete e Quelimane. Em 1971 foi nomeado Vigário Geral da Diocese da Beira.

Fez a Terceira Provação em Roma, em 1974 e voltou para Moçambique. Fez a profissão solene no dia 2 de fevereiro de 1975, na Beira. Foi nomeado Vice-Provincial da Vice-Província de Moçambique e tomou posse no dia 30 de março de 1975. O P. Sousa assumiu a coordenação da Vice-Província numa época muito crítica, mas revelou-se o homem para o momento. Os desafios provocados pela nacionalização do ensino e da saúde exigiram dele muita paciência, diálogo sereno, espírito de abertura e criatividade para encontrar respostas rápidas e encorajar os seus irmãos. Viveu a angústia de irmãos jesuítas que foram presos e expulsos de Moçambique e de um que foi preso e metido num campo de reeducação.

Em 1981 deixou de ser Vice-Provincial e foi nomeado pároco da Paróquia de S. João Baptista de Matacuane, na Beira. Ao mesmo tempo era Vigário diocesano da pastoral e superior da residência jesuíta de Matacuane. Em 1990 foi para Tete como Vigário da pastoral dirigindo o Secretariado da pastoral e deu início a uma revista de reflexão pastoral e divulgação de notícias da Diocese.

Em 1993 foi nomeado, mais uma vez, Superior Regional da Região Moçambicana da Companhia de Jesus. O tempo agora era mais calmo, mas com outros desafios. O P. Sousa estava atento ao caminho que a Companhia percorria em África. Era conhecido e apreciado por tantos jesuítas da África e ajudou a Região a desenvolver-se no espírito que o P. Geral imprimia àquela região do mundo. Acompanhava, com muito interesse, a política africana através dos meios de comunicação, sobretudo a revista “Jeune Afrique”. Em 1999 voltou a Tete como pároco da Catedral e superior da comunidade jesuíta.

Em finais de 2000 foi para Beira nomeado pároco da Paróquia de Matacuane e superior da Comunidade. Em Janeiro de 2003 regressou a Maputo para ser o Sócio do Superior Regional e foi nomeado superior da residência. Em 2004, com problemas de saúde, regressou a Portugal. Foi viver para a residência da Covilhã e nomeado Capelão do Hospital Pêro da Covilhã do Centro Hospitalar Cova da Beira. Em 2006 foi nomeado superior da comunidade jesuíta, cargo que exerceu até 2014. No Hospital desenvolveu um trabalho notável no acompanhamento de doentes, sempre pronto a colaborar nas iniciativas promovidas pelo pessoal do Hospital.

Em 2019 deixou de ser capelão do hospital, mas continuou como Assistente de Equipas de Nossa Senhora e dos Cursos de Preparação para o Matrimónio. Acentuando-se, um pouco mais, as suas debilidades físicas, em 2020 foi para a enfermaria do Colégio de S. João de Brito, em Lisboa, em descanso e oração pela Igreja, a Companhia e o mundo.

O P. Sousa publicou muitos livros sobre temas bíblicos (Bíblia Mestra da Vida) e catequéticos e também sobre a História da Companhia de Jesus em Moçambique. Deixou ainda dois livros de Memórias, um sobre a sua vida em Moçambique (2015) e o outro sobre a sua estadia na Covilhã (2019).

Testemunho

 

Não recebi a notícia da partida para o Pai do meu irmão, com grande surpresa, pois já esperava. A última vez que o vi no hospital, já não me reconheceu e esperava que o Senhor brevemente o iria chamar. Deixa-me a mim e restante família uma saudade muito grande pois, como irmão mais velho que era, procurava seguir um pouco os seus passos na generosidade com que se dava aos outros particularmente em terras de Moçambique e no hospital de Covilhã. Se o queríamos ver feliz, era deixá-lo falar de Moçambique. Dificilmente tinha outra conversa que não versasse sobre aquelas terras de África. Ainda pedi para fazer o meu magistério em Moçambique para ver se seguia as pisadas do meu irmão.

Mas o P. Lúcio Craveiro, então Provincial, disse que a minha missão era no Colégio de S. João de Brito. Separados fisicamente, mas a entrega pelo Reino em África ou em Lisboa era a mesma: dar testemunho de Cristo e o meu irmão deu tudo por Ele em terras de Missão. Esta tristeza que me vai na alma pelo facto de perder um irmão para este mundo, não é nada perante a certeza na ressurreição, na casa do Pai onde não haverá mais choro mas alegria sem fim. Abraço mano José Augusto.

P. Alberto Sousa, sj

Testemunho

 

Durante 5 anos vivi na mesma comunidade do Padre Augusto Sousa, tendo-o como Superior. Durante esse tempo, é possível que tenhamos passado algumas centenas de horas a conversar. Todas as conversas o levavam a Moçambique e Moçambique acabava por entrar em quase todas as conversas. Cada palavra sua espelhava e testemunhava o enorme amor e paixão ao povo moçambicano a quem ele se entregou e por quem ele muito sofreu especialmente durante os conturbados tempos da independência. Por motivos de saúde e com custo, regressou a Portugal em 2004.

O que mais me surpreendia e impressionava, é que o Padre Sousa estava totalmente no que fazia (capelão do hospital da Covilhã) sem deixar de acompanhar, rezar, falar e “estar” no país onde viveu durante 44 anos!

As feridas da vida que experimentou, marcaram-no e acompanharam-no, mas não o venceram, antes, ajudaram-no e capacitaram-no, fazendo dele um mestre, um homem sábio, um bom superior, conselheiro, respeitado e querido por pessoas muito diversas no âmbito social, político, cultural e de vivência religiosa.

A vida apurou nele o sentido do essencial que muitas vezes não se descortinava à primeira vista devido ao seu temperamento ou sintomas de quem teve que “nascer de novo”, no seu país, “sendo já velho”!

Do Padre Augusto Sousa, fica a memória de um mestre, focado no essencial, construtor de pontes, homem institucional mas atento e promotor dos carismas, apaixonado pela Companhia, pela Igreja e pelo Senhor a quem ele serviu até ao limite das suas forças.

“Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino, o qual vos foi preparado…” (cf. Mat. 35, 34).

P. Francisco Rodrigues, sj

Testemunho

 

Padre Sousa, o missionário.
Para um ouvido cristão atento e bem treinado, um tal resumo já diz muita coisa acerca da pessoa que hoje perdemos. Primeiro, diz do seu enorme amor a Jesus Cristo. Um Jesus que o P. José Augusto encontrava na Palavra de Deus (sobre a qual meditou e escreveu longamente), mas a quem também buscava na prática, tentando transformar as condições sociais, políticas, económicas da humanidade por Ele assumida. Isso fez dele alguém extremamente atento a tudo o que se passava no mundo. O desejo de imitar Jesus era enorme, disse-me várias vezes que a frase do Evangelho que mais tinha marcado o seu coração era: “Ele, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. (Jo 13,1). Depois, diz da sua coragem, determinação e audácia, que todos pudemos ver nos seus gestos arrojados e escutar nas suas longas e detalhadas histórias de vida (contadas oralmente ou por escrito). Por fim, diz do amor fiel e criativo à Igreja, que sempre procurou cuidar como se de uma extensão do seu próprio corpo se tratasse.

Apesar da primeira linha conter já muito, os homens grandes não cabem numa só definição. Sinto necessidade de acrescentar que hoje perdemos: José Augusto Sousa, o homem apaixonado pela vida.
Seria injusto não mencionar esta dimensão da paixão. Uma paixão que o fazia viver os episódios com impressões e emoções muito vivas, muito reais… Isso levava-o a reter na memória os eventos mais marcantes da vida como se fossem autênticos filmes. É por isso que chorava facilmente quando contava todas as suas histórias.

Foi um apaixonado pelas pessoas, desde as grandes figuras que encontrou, às pessoas mais simples que conheceu. Foi um apaixonado pela palavra. Talvez porque a palavra lhe permitia comunicar com os outros, ou seja, lhe permitia amar. Sempre me impressionou a sua facilidade de palavra – vejam se os livros que escreveu, mas também as animadas poesias que compunha por ocasião das festas e efemérides da Companhia. Descobri que foi um apaixonado pelos animais também, ultimamente pedia bastante para ver (e rever) os documentários de vida animal africana, e entusiasmado dizia:

“Isto é lindo! Olha estes bichos, eu vi isto tudo, eu estive lá, é uma maravilha…”.

Estou certo de que foi conseguindo manter um coração de carne (o que na vida religiosa nem sempre é fácil…). É claro que quem se abre mais afetivamente, também tem normalmente mais opiniões, mais gostos, e eventualmente mais “mau génio” (como dizemos), por isso, por vezes podia ser forte e assertivo com os outros, e para alguns, o seu feitio podia ser mais difícil. Mas creio que a chave de leitura de tudo isso é a paixão pela vida, e a entrega radical a Cristo.

Padre Sousa, pedimos ao Senhor que continue a enviá-lo em missão, a partir de hoje de outro modo, claro. E pedimos a sua bênção para a Província e para toda a Companhia de Jesus!

Vasco Teixeira, sj

Testemunho

 

O menino de seu pai, o Ti Zé Maria
Uma vez, lá em Matacuane, eu precisava de me confessar, e o meu confessor estava ausente. Recorri ao Padre Superior, que logo me atendeu. E confessei-me a ele, da maneira, que me ensinou o P. Carlo Maria Martini, em Roma, em 1970. E quando acabou de me absolver, o P. Zé Augusto levantou-se e apontou para a cadeira, de que saía, e disse: – agora, sentas-te tu aí, que eu também me quero confessar desta maneira.

Conto-lhes só este episódio, em vez de muitos, porque este me parece uma síntese muito rica e sugestiva da maneira de ser e de proceder do P. Zé Augusto de Sousa, menino de seu pai o Ti Zé Maria, da Matança. Eu nunca vi o Ti Zé Maria, mas, pelo falar do seu «menino», quase o poderia desenhar, inspirando-me no P. Sousa e seguindo o «tal filho tal pai».

P. Manuel Ferreira