CNAL 21 (Notas de uma participante)
O tema—A difícil arte da amizade social—criava desde logo expetativas positivas.
E a comunicação do cardeal Sean O’Malley, escrita e lida em português, foi realmente uma abertura excelente. Sob o título “O Tikun Olam do Samaritano” (tikun olam: conceito judeu equivalente ao católico construção de uma civilização comum), o cardeal começou por referir gestos e palavras do Papa Francisco (visita a Lampedusa, encontro com o grande imã, lavar pés a reclusos, escrita de Fratelli Tutti e Laudato Si) que remetem para a importância da fraternidade com diversidade na casa comum.
A escolha da parábola do Bom Samaritano permitiu ilustrar que:
• todos devem ser considerados nossos próximos (na época de Jesus existia uma guerra fria entre judeus e samaritanos)
• o samaritano coloca-se no caminho do perigo, ao lado da vulnerabilidade, afasta-se das rotinas para acompanhar o invisível, sem poder)
• não chega agir segundo as regras (levita e sacerdote)
• os deveres de solidariedade vão além da assistência (facilitar o recurso a instituições para capacitação)
• próximo é o que proactivamente ama.
Para além da parábola do Samaritano, referiu também Gn 4, 9 (Onde está o teu irmão Abel?) e Mt 25, 31-46 (Juízo final) e a parábola do rico que foi incapaz de ver Lázaro a sofrer à sua porta (Lc 16, 19-31), para salientar a gravidade do pecado de omissão e a necessidade de leis justas para alcançar paz, liberdade e igualdade universal.
No mundo pós-pandémico fica mais clara a urgência do imperativo moral da solidariedade como questão de sobrevivência: ou uma civilização do amor ou nenhuma civilização. Só a solidariedade e o compromisso com o bem comum podem ser antídoto para a intolerância do racismo, e solução para defesa do dom precioso da vida (o homem ferido à beira do caminho era candidato à eutanásia).
Só uma nova geração de samaritanos pode construir uma sociedade onde seja mais fácil ser bom, onde a integração seja mais que não segregação, onde o racismo e o preconceito não se prolonguem na indiferença, e onde não se verifique o triunfo do sucesso individual sobre o compromisso com o bem comum e a amizade social.
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Seguiu-se um testemunho de um médico focolarino—Luís Parente Martins—que ilustrou com exemplos de projetos concretos o itinerário da construção da amizade social: diálogo dentro da Igreja/diálogo ecuménico/diálogo inter-religioso/diálogo intercultural.
• Dentro da Igreja, e apontando como grandes referências a eclesiologia de Yves Congar e sua abertura ao ecumenismo e o paradigma da Trindade como modelo de relacionamento entre nós, de amor sem limites e sem estatutos, salientou a importância da sinodalidade para iniciar um processo de mudança, privilegiando a escuta recíproca do que cada um sente (mais do que a mera opinião), a disposição para identificar e assumir erros sem rotular, mas com mútua caridade propor pequenos passos para a santidade, que pode passar por implementar a celebração da Eucaristia mais percetível para todos.
• Sendo usual no Movimento Focolar o encontro com outros cristãos—Encontro Cristão em Sintra—sublinhou a importância de uma longa preparação de cada encontro, pondo especial cuidado nas palavras a utilizar e no acolhimento de cada um.
• Tendo como objetivo o diálogo inter-religioso, a Associação Juvenil Ponte mostra como o segredo passa por aceitar que ser ponte é por vezes estar disposto a deixar-se pisar. As “Mini-olimpíadas” facilitam o convívio entre judeus, cristãos, muçulmanos e outras religiões. O projeto “Um por Um” estimula a amizade entre cada membro e outra pessoa de outra religião.
• O diálogo com a cultura está presente na criação de uma unidade de Cuidados Paliativos de doentes cardíacos, onde doentes, cuidadores e profissionais são desafiados a fazer escolhas éticas e a concentrar-se em implementar o seu melhor estado de alma (ser krestotes), agindo com “conhecimento, paciência, bondade, amor genuíno (2 Cor 6, 6).
Estarmos sempre prontos a Recomeçar (Ford: “o insucesso é oportunidade para recomeçar com nova inteligência”).
Acalentar o desejo de Jesus: “Pai, que todos sejam Um” e acreditar que o Senhor sempre nos acompanha.
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Painel: Carvalho da Silva/Rita Valadas/Rita Sacramento
CS: Foram referidas a sua passagem pela JAC e JOC, a experiência da violência da guerra em Cabinda, a injustiça do seu despedimento e adesão dos colegas operários e a experiência de sindicalismo e pertença à Intersindical, a aliança com D. Manuel Martins e a colaboração na OIT, a experiência de estudioso e investigador.
Salientou o lugar central do trabalho, a preocupação com o individualismo e consumismo, o respeito pela DUDH que deve estar subjacente ao estado social de direito democrático.
RV: Foram referidas a passagem por Angola como filha de militar, formação política e social, presidência da Caritas Portuguesa.
Salientou que não vivemos para fazer estatísticas, mas para resolver problemas concretos tentando encontrar no próximo os recursos para ajudar à solução e que as pessoas têm que ter prioridade sobre a estratégia definida.
RS: Foram referidas a sua formação em comunicação social, a sua passagem pelo escutismo, a espiritualidade inaciana e a prática de EE que fortaleceram a convicção de que Deus quer que sejamos pessoas plenas o que é diferente de sermos só boas pessoas, a experiência de encontro com os refugiados, e atual ocupação profissional como gestora de projetos de voluntariado da EDP e participação no grupo que reflete sobre a “Economia de Francisco”.
Salientou que a primeira barreira para a construção da amizade social pode ser o olhar que temos do outro (Irmão? Amigo? Estrangeiro?…) e não irmos além das nossas seguranças. Aceitar que não há encontro sem conflito, pelo que é importante persistir.
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Das sombras ao sonho da amizade social
Cidadania
Falar de Cidadania à luz da FT: Isabel Jonet/João Cortez Lobão/Luísa Schmidt
IJ (Presidente da federação dos 21 Bancos Alimentares e presidente do projeto Entrajuda): ser voluntária fez parte da educação, como ir a concertos… e foi um excelente meio de conhecer realidades diferentes. Licenciada em Economia, quando regressou de Bruxelas onde estivera com a família, abraçou a causa do Banco Alimentar que ajuda 4% da população portuguesa. O projeto Entrajuda abrange 5 projetos (Banco dos bens doados, Banco de equipamentos, Bolsa de voluntariado, Dar e receber, Tempo extra). Defende que a cidadania se expressa na corresponsabilidade pelo bem comum. Colaborou no projeto “Educar para Cidadania” nas escolas, convicta da importância de educar para valores universais que pretendem colaborar para sociedades mais justas e fraternas (importância de influenciar alterações legislativas). Considera que o cristão faz com amor, porque Deus é amor.
JCL (Profissional da área de finanças, membro da ACEGE, preside com sua mulher Maria—teóloga—à Fundação Gaudium Magno): cidadania é cumprir a nossa parte de cidadãos. O empresário é o agente que usa os talentos para criar valor e distribuir com propósito. É importante encontrar soluções criativas para não pactuar com injustiças (pagar mais a quem tem filhos; 1 cabaz por mês por cada criança mais 800 euros como prémio). Com a Fundação GM o propósito é partilhar cultura e beleza.
LS (Investigadora do ICS, membro do Observ. do Ambiente e do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, escreve sobre questões ambientais e de cidadania): não se pode preparar qualquer futuro sem as gerações mais jovens (papel dos jovens na COP 26). A grande motivação: contribuir para o desenvolvimento sustentável, para cuidar da casa comum.
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A amizade social realizada todos os dias
Cultura: P. Pedro Quintela/Maria Durão/Catarina Almeida/Rui Martins
PQ (Pároco de Monte da Caparica, fundador do centro de reabilitação de toxicodependentes Vale de Acór, promotor do Ciclo de Cinema Católico): “não há um cinema católico: o filme será católico se disser a densidade do humano … o diálogo é que pode ser veículo do drama de ação divina a manifestar-se … o importante é discernir o elemento cristão (celebração, salvação…).
Os filmes apresentados (no Fórum Municipal Romeu Correia) têm mais do que 2 anos (são mais baratos); a sua exibição é antecedida de comentários de um convidado e no final há uma conversa com o público.
MD (Terapeuta no Vale de Acór, compositora e vocalista da Banda Simplus): o caminho da maturidade artística seguiu o caminho de identificação com a comunidade (CL); foi o encontro com um grupo de oração que desencadeou a necessidade de comunicar o que nascia na experiência de Igreja.
“A seriedade da escuta como luta entre eu e tu, como Jacob com Deus”; “porque sou católica, não posso permitir-me ser menos que artista original e criativa”.
CA (Membro da organização do Meeting Lisboa): em cada ano, o movimento CL organiza um encontro com várias manifestações culturais (exposições, atividades desportivas, encontros, convívio…) de acordo com a temática eleita, para comunicar “a beleza da experiência” vivida.
A criatividade social é fruto da paixão pela vida do dia-a-dia e há uma enorme alegria na descoberta de vida nova que gera diálogo e encontro.
RM (membro do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura): o SNPC surge em 2005 para ativar na Igreja a atenção à realidade cultural, começando pelas outras equipas episcopais, mas pretendendo sensibilizar todos os católicos. Esteve na origem do prémio Árvore da Vida-Pe Manuel Antunes (vida cristã e qualidade estética), das Jornadas Nacionais da Pastoral da Cultura, do Observatório da Cultura.
Atualmente, sente que não há ações consistentes, falta ousadia e criatividade para se envolver com os mais pobres, os esquecidos, para ajudar a decifrar as contradições na Igreja. Talvez a Igreja fale muito para si própria.
Dirce Serafim
Podem ver mais sobre o dia aqui: https://www.facebook.com/pg/CNALeigos/posts/
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