Encontro Amoris Laetitia – Fevereiro 2022

A CVXP organizou, no passado dia 27/fevereiro, um encontro de reflexão em torno da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, orientado pelo Pe Miguel Almeida SJ, Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus.

Na boa tradição CVX, reservámos um tempo de oração individual a seguir à conferência do Pe Miguel, a que se seguiu um tempo de partilha de grupos em chave de Buenos Aires (partilha por rondas) e um plenário.

Assim, todos e cada um fomos convidados a pedir a graça que o Senhor nos ajude a crescer na compreensão de que o ‘lugar teológico, por excelência, é a vida das pessoas’ e a aceitar que ‘a realidade é maior que a ideia’. A partir daqui, olhando à nossa realidade concreta, fomos convidados a identificar as ‘vidas magoadas e desfeitas’ que conhecemos e perceber como se podem acompanhar estas pessoas a chegar a Deus e a fazer um caminho de redenção.

O Pe Miguel deixou-nos ainda um desafio muito claro: ‘Compete à CVX criar condições linguísticas para traduzir o Evangelho nas vidas concretas das pessoas’. Reconhecendo que, de um modo discreto, a CVX já tende a ser ‘porta aberta que outros fecham’, mas de uma forma casuística, não sistematizada, fomos ainda convidados a perceber como pode a CVX ser espaço de acolhimento para ‘vidas erróneas e confusas’. No final, o sentimento dominante era de enorme consolação pela pertinência do tema e pela consciência de que a CVX tem uma capacidade especial para acolher todas as realidades sem excepção que tem de ser posta ao serviço do Reino. Deixamo-vos com o testemunho da Sílvia Cópio, que faz neste momento parte da Representação CVX na Pastoral da Família da Diocese de Lisboa.

 

Um dia para não encontrar resposta nenhuma, porque o importante é estar em processo: e estamos!

Por, Sílvia Cópio, região Sul grupo 1900

Dia 27 de fevereiro de 2022, domingo, dia dedicado ao Senhor! Um dia em que a CVX faz o convite a que dediquemos uma atenção particular à Amoris Leticia e que nos deixemos tocar, nesta maneira inaciana de escutar também o coração, ao convite de acolhimento da Família que do próprio Deus nos faz e que o Papa Francisco clarifica.

 

Reflexão Inicial:

Lembrou-nos o P. Miguel Almeida, sj, que o Papa Francisco deixa transparecer este jeito concreto de olhar a vida procurando «onde está a Deus na realidade?» e encontrando a Sua presença no que a vida tem, mantendo um ideal, mas evitando um idealismo. Usando a matriz da Alegria e da Misericórdia na forma como reconhece O Evangelho e introduzindo o processo de Discernimento na Igreja – o que nem sempre tem sido confortável, uma vez que, este processo nos leva muitas vezes a sair da zona de conforto. Uau! Deixando uma segurança confortável de diretrizes definidas pelo Direito Canónico e saltando para a o risco de valorizar o próprio processo de discernimento em cada caso!

E de quantas famílias «menos perfeitas» nos fala a bíblia?! Um conjunto de escrituras que nos apresentam a veracidade da realidade humana de tantas situações. Falamos de fa-mi-li-as! Várias! O Caminho de discernimento leva-nos a esta constatação de que famílias diferentes se encontrarão em situações diferentes. Talvez valha a pena descer da moral da Igreja como uma moral de máximos, e voltar o olhar para o processo e redescobrir que nem tudo vale, mas Todos têm lugar!

Será então fundamental que a CVX mantenha uma linguagem de como encontrar Deus em todas as situações familiares e que seja espaço de apoio a que cada um encontre o seu caminho para Deus! Mais: que seja um lugar em que cada um se possa expressar, que seja lugar de verdadeira escuta…em que se aprenda a suspender o julgamento e se acolha verdadeiramente cada um, e em cada um Todos!

 

Testemunho:

Sou uma mulher casada e mãe de três filhos, uma espécie de canon bem aceite em igreja! Dou muitas graças a Deus muitas vezes por tantos dons recebidos e até por tantas coisas que nem sempre desejei…Mas, que se desenganem os olhares mais distraídos: Todas as famílias são família: em todas as vicissitudes, mais ou menos desejadas, mais ou menos atropeladas em vivencias nem sempre convencionais, harmoniosas ou em sofrimento, compostas por um elemento (sim, uma pessoa que viva sozinha também à família: e porque não?!) ou por casais com ou sem filhos e com ruturas e reconciliações e com identidades de género muitas vezes incompreendidas (porque o desconhecido pode ter destas incompreensões), e com (re)uniões e separações e filhos e genros e noras…e tantas situações que talvez não me caiba a mim compreender mas apenas aceitar e entregar nas mãos do Senhor tanto bem que possa existir nas tormentas e graças das vidas familiares de cada um! ….e, talvez no exercício da Contemplação do Reino: olhar todas as vidas com o olhar amoroso de Deus e aceitar que nem tudo me caberá compreender…

Pode não ser fácil: temos uma herança cultural e religiosa que ensinou gerações a olhar para a família «perfeita» esquecendo que a mim, cristão, cabe-me confiar no amor de Deus, usar o processo de discernimento inaciano e abrir o coração a que se operem cada vez mais coisas de Bem no mundo através da minha entrega (muitas vezes ao que desconheço e não compreendo – nunca se sabe que lugar a minha salvação tem nesse desconhecido!)

 

Desde que casei com o Paulo Cópio há 22 anos atrás o tema da família foi para mim o campo em que, de forma mais ou menos clara, me senti chamada a dar o meu «Sim» ao que Deus me vai chamando, nas circunstancias da vida: atualmente, para além de me sentir chamada a viver a minha vocação na minha própria família, também me tenho sentido chamada a prestar serviço no campo de Missão que o Senhor me vai confiando á «Família» como campo de entrega apostólica ao serviço de desenvolvimento humano (entenda-se que emprego aqui o termo família para todos os formatos de família que vou conhecendo na minha vida, nas minha relações inter-pessoais dentro e fora da igreja- tenho a graça de conhecer e ser amiga de muitas situações fora do canon e o que é comum, mesmo entre Ateus e Agnósticos é que quando se fala em família é inevitável ver o Amor lá…em todas!).

Sou voluntária dirigente de uma ONG ligada ao direito da família na educação, desenvolvo diversos formatos de apoio à parentalidade e trabalho muito diretamente com uma organização internacional (recentemente reconhecida pela Unesco) de nome Global Home Education Exchange, a qual se dedica a defender em todo o mundo aspetos relacionados com os direitos da família, por vezes ameaçados ou mal entendidos. Faço-o por acreditar, na sequência de alguns processos de discernimento que vou fazendo em CVX, que sou chamada a dar voz à valorização da família, ao reconhecimento do seu valor das suas fragilidades, mas acima de tudo do reconhecimento de que o Amor de Deus se expressa de forma particular na relação familiar que se estabelece nas mais variadas circunstâncias. Recentemente eu, e o Paulo, participamos na Pastoral Familiar na Diocese de Lisboa e percebemos rapidamente que a nossa forma de estar em igreja deveria ser traduzida ali por um claro: em CVX todos são aceites, sem que questionemos o seu específico formato familiar!

 

Neste encontro CVX:

É por esta razão que este dia da CVX foi de uma extrema consolação para mim. Senti que mais um passo do propósito se cumpria: e que bom que foi podermos ter partilhado o que sentíamos sobre temas por vezes fraturantes. Fizemo-lo com um ambiente de confiança, segurança e respeito, na certeza de que não teremos todas as respostas, mas que em tensão também se faz caminho.

Tivemos tempo para rezar, para escutar e partilhar e em muito as moções expressas vinham ao encontro de que, nem tudo é fácil, que, se por um lado a CVX aceita a participação de todos, talvez nem sempre expresse esse acolhimento de forma «acolhedora» e em tanto temos de crescer. Mas, sem dúvida somos corpo em Igreja que não impede a participação de variados formatos de família: e para onde deveremos caminhar mais? Devemos tornar esta aceitação expressa com clareza para fora? Para mim, para já, sinto uma consolação imensa por estar a presenciar a capacidade da CVX questionar, expressar, e usar uma linguagem clara de inclusão, mesmo reconhecendo o imenso caminho ainda a fazer e mesmo não tendo todas as respostas. Afinal: o importante é o processo e estamos a fazê-lo!

Junto da Igreja fica esta intenção de um papel ativo na facilitação do processo de discernimento para que muitos possam abrir o coração à novidade e, respeitando a lei, mas sem idealizar a lei, se posicionam com o coração de quem acolhe a Vontade de Deus acima de Todas as Coisas! Eu acredito que Todos são acolhidos no coração de Deus, e tu? Atreves-te?!

 

imagem: http://www.laityfamilylife.va/