De manhã à noite, todos fazemos a experiência da quotidianidade no ritmo da banalidade dos dias. Sentimos que às vezes aquele dia nos corta aos pedaços, outras vezes que foi um desperdício de tempo e outras que talvez tenha sido para fazer coisas sérias e que tenham valido a pena… Boh! Na sucessão dos dias, onde o tempo não pára, pode acontecer praticamente de tudo e mais alguma coisa! A questão filosófica pertinente da quotidianidade banal toca o ramo da Filosofia da História, na medida em que se reflete sobre o sentido da continuidade temporal, característica que advém do facto do ser humano ser um ser histórico, consciente de uma concatenação temporal na sucessão dos acontecimentos. Ora, neste sentido, há três senhores da Filosofia da História, que podem ajudar a pensar um pouco a questão do sentido da quotidianidade: Hegel, Nietzsche e Benjamin. O desafio é perceber como se pode fazer “Filosofia de Bolso” com a quotidianidade, a partir da grande reflexão da Filosofia da História.
Como veria Hegel um dia da sua rotina? Tenha-se presente a conhecida frase deste autor, que resume o modo como pensa: “o racional é real e o real é racional”. Ora, segundo este estranho e pertinente raciocínio, a realidade advém da imanentização da Razão no processo histórico, através do seu processo dialético. Esta dinâmica essencial da realidade faz com que a verdade seja o processo da manifestação dialética da Razão na história, que toma forma em estruturas específicas como a do estado; e, neste sentido, a filosofia não é mais do que o conhecimento da manifestação deste processo absoluto, que ruma em direção à liberdade. Por isso, a história para Hegel tem este sentido dialético, segundo o qual o ser humano adquire continuamente alguma coisa, que anteriormente não possuía. Portanto, a quotidianidade é resultado deste processo racional, processo que, segundo esta dialética, aquilo que historicamente é para permanecer, permanece, e aquilo que deve cair e ficar perdido na história, cai e é perdido. Tudo isto para dizer que o dia a dia está inserido neste percurso com este sentido; de modo que Hegel resumiria um dia do seu quotidiano com a seguinte expressão: “tenho consciência de que este dia me deu uma data de coisas – coisas que não existiam anteriormente em mim”. Há sempre uma síntese que sai do processo dialético, na qual se reconhece o progresso do processo da Razão na história.
Um dia, para Nietzsche, seria um pouco diferente! Esta criatura barulhenta gosta muito de contrariar os outros. Segundo Nietzsche, não existe qualquer sentido que eu possa dar à história e ao meu dia-a-dia. Não existem momentos de referência, que eu possa definir como enriquecedores. Cada momento tem uma ligação intrínseca ao tempo presente em que se vive aquela determinada experiência. A expressão da vontade de poder (vontade de vida) é o conceito que resume toda a Filosofia de Nietzsche, segundo o qual afirma que a vida vale a pena, no aqui e agora. O momento não tem quaisquer referências passadas, porque é simplesmente determinado pela vontade num presente específico; é sempre um sujeito concreto que vive naquele presente e que constrói a sua própria identidade, através daquilo que quer e escolhe ser e viver. A última frase de um dia rotineiro de Nietzsche poderia ser: “se fui eu mesmo a viver tudo aquilo que vivi, então valeu a pena”.
Um fim de dia com Benjamin é ainda uma outra experiência. Este homem de origem judaica e com tons marxistas no seu pensamento é um místico da história. Depois da modernidade ter banido o “pensar a morte” do horizonte histórico, torna-se impossível pensar a continuidade histórica, através da sucessão geracional. Ora, o que fazer então?! Como é que o passado pode ser referência de alguma coisa, sem uma continuidade temporal? Através da “citação”! A citação admite que o passado tenha conteúdos de verdade, necessários para viver o presente e, assim, abrir possibilidades para o futuro. Este é o ponto! O “messias” é o sujeito histórico (cada um de nós) que vem redimir o que ainda não foi redimido no passado; não muda o presente radicalmente, mas ajusta-o ligeiramente. É uma história dos fracos, contrariamente a Hegel, o sentido da história não é a grande continuidade do processo dialético que se manifesta imponentemente e atravessa gerações (Hegel), mas sim a ação presente, que com esta referência passada adquire um sentido que não tinha. Segundo este raciocínio, o futuro é pleno de possibilidades! A frase do final de um dia de Benjamin poderia ser: “não fiz nada de especial, mas o que fiz foi importante para mim e seguramente para outros o que virão depois deste dia”!
Os grandes génios da Filosofia da História não servem só como referências para as grandes revistas científicas, mas também são úteis para “pensar um dia”, por exemplo. O nosso modo de ser é histórico, é nadar num mar temporal que vai correndo e, se não se pára para refletir sobre a própria história, corre-se o risco de não colher os frutos de uma visão mais profunda sobre o sentido da história. Estes homens chamam a atenção para isto: a história tem muito mais do que o simples transmitir conteúdos, de geração em geração. O seu curso terá um sentido, um sentido que cada um dará com a resposta da sua própria reflexão. O desafio da filosofia é sempre o mesmo: descobrir a visão do próprio sobre a realidade, em todos aqueles que são os seus aspetos! Até mesmo no aspeto da historicidade…! A certeza que se pode ter é também a mesma: as perguntas são sempre mais importantes do que as respostas; pelo que não se pode viver sem filosofia, simplesmente pelo facto de que não se pode viver sem uma visão sobre a vida e, neste caso, sobre a história, por mais banal que seja a história do quotidiano.
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