Impressiona-me o tema da pornografia pelos números astronómicos de consumo e pelo pouco que se fala sobre este assunto. A pornografia é um mal: fragiliza profundamente o ser humano naquilo que este tem de mais sublime, a capacidade de relação; e está bastante banalizado.
A banalidade – toda a gente sabe, mas poucos pensam sobre o assunto.
É díficil encontrar valores acerca do consumo de pornografia em Portugal, sobretudo entre os mais jovens. No entanto, num estudo de 2020 [1] com 665 inquiridos com idade média de 26 anos, 5 em cada 10 pessoas afirmaram que vêem pornografia entre 0 e 2/3 vezes por mês, e 4 em cada 10 pessoas reportaram que vêem pornografia entre, mais de uma vez por dia a 1 ou 2 vezes por semana. 88% dos participantes do estudo já viu pornografia pelo menos uma vez na vida. O mesmo estudo afirma que, em 2018, Portugal foi o 39.º país do mundo com mais acessos a um dos sites de pornografia mais visitados do mundo, o Pornhub.
Fica a questão: será que isto tem influências negativas nos indivíduos e na sociedade? Parece-me claro que, no geral, a pornografia faz mal às pessoas. E fala-se sobre isto? Pouco, parece-me. É sempre complexo conversar sobre sexualidade, e dentro da sexualidade a pornografia parece um tema ainda mais tabu. A par de falar pouco, parece-me haver ainda uma certa recusa em pensar sobre o assunto. E, tão grave (ou pior) como cometer maus actos por malícia é cometer maus actos por estes se tornarem banais: por simplesmente se ter rejeitado a capacidade de pensar sobre eles.
Felizmente, a reflexão tem vindo a aumentar, sobretudo no contexto médico. No entanto, as conclusões mais comuns não são muito animadoras em relação aos malefícios do consumo de pornografia:
– Pode reduzir as conexões cerebrais, e minorar a activação de algumas partes do cérebro;
– É uma das causas de ejaculação precoce e de disfunção eréctil;
– É uma das principais formas de adição associadas à internet, e a que tem maior potencial de adição;
– Piora a qualidade e a sexualidade dos relacionamentos; potencia expectativas irrealistas do acto sexual.
– Potencia comportamentos violentos entre pares – sobretudo de homens para mulheres.
Pior do que tudo isto são ainda as lógicas de exploração e escravatura humana que a indústria pornográfica alimenta.
A morte da relação – a morte da alteridade [2]
A alteridade é aquilo que mais caracteriza o ser humano: o Homem é Homem, na medida em que é com os outros, na medida em que ama o que é diferente de si. O amor consiste precisamente no movimento que promove o encontro com o outro, a alteridade. «A verdadeira essência do amor consiste em renunciar à consciência de si, em esquecer-se de si mesmo, num outro mesmo»[3].
A pornografia, por sua vez, distorce o amor e desgasta a alteridade. Diante da pornografia uma pessoa está completamente sozinha, sem qualquer tipo de resistência oferecida pelo outro ou pela realidade. Um consumidor de pornografia não tem sequer um confronto sexual, está numa “cena de um”. O que existe é um autoerotismo – que, na verdade, não é erotismo, mas um afago a si mesmo – que protege o eu do contacto com o exterior e da comoção (mover com outro). Diante da pornografia, o outro é apenas como um espelho da própria pessoa, uma confirmação do eu, um meio para o observador se excitar a si próprio – é um processo autocentrado. No amor e no erotismo é ao contrário, o centro está no outro: a pornografia é o antípodas do erotismo, a pornografia promove o individualismo.
Outro problema da pornografia é que o amor e a sexualidade passem a ser utilizados como objectos de compra e venda. O amor é submetido ao imperativo do rendimento, torna-se sexualidade e esta, por sua vez, é colocada “a render”. O sexo é uma espécie de rendimento e a sensualidade é o capital que se pretende aumentar. O outro entra neste esquema sendo sexualizado, como um objecto excitante e, assim, é completamente destituído da sua alteridade, deixa de poder ser amado e passa apenas a poder ser consumido. Nesta lógica, deixam de existir pessoas e passam a existir apenas objectos sexuais. A pornografia promove o consumismo.
O hábito modifica o agente, como afirmava S. Tomás de Aquino. Assim, aquele que vê pornografia é moldado por esse hábito. Se a imagem que alguém se habitua a ter de determinada pessoa é a de um objecto sexual, então essa imagem moldará a forma como olha para todas as outras pessoas que a rodeiam. Corre-se o risco de passar a olhar o mundo pornograficamente.
[1] https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/127854/2/408506.pdf
[2] Inspirado em A Agonia de Eros, de Byung Chul-Han.
[3] Hegel, Cursos de Estética