Kierkegaard é um filósofo dinamarquês que se insere no grupo de pensadores que rejeitam a possibilidade da prova racional da existência de Deus.
Kierkegaard olha para o homem no mundo e para a sua existência. O que é que vê? Que o homem encontra-se com total liberdade e com um mundo de possibilidades diante da vida, da existência e do infinito: vida, as suas alegrias efémeras e o sofrimento, as relações e pensamentos, as escolhas, os sentimentos, os fracassos e conquistas, as possibilidades de ser e de se elevar, a incapacidade de se realizar, o contacto com o mundo e o universo.
Ao mesmo tempo o homem quer ser indivíduo, quer ser autêntico, deseja encontrar sentido para a sua vida, guiar a sua existência.
A consciência disto é acompanhada por uma “angústia de viver”, pela terrível sensação provocada pelo confronto existencial com a realidade abismal. O homem pergunta-se: “o que é que eu posso fazer, decidir, ser, diante de tudo isto?”. E parece impossível encontrar uma resposta óbvia e fácil.
Se depender da racionalidade e da filosofia, este sentimento existencial diante do “abismo” só pode levar ao desespero. Kierkegaard aponta o caminho da resignação como o único possível neste cenário. Há que reconhecer o absurdo do mundo, o desejo de infinito, a pequenez e irrelevância da sua própria existência e individualidade. Pela razão, por um “movimento filosófico”, podemos chegar a uma resignação da consciência eterna, mas não podemos passar daí.
Mas é aí mesmo que se abre uma nova porta: a fé.
Para Kierkegaard, a fé é a confiança de sentido, de relação pessoal e individual com Deus, que ultrapassa a racionalidade e que supera o absurdo do abismo da existência. A fé é apenas possível ao homem que conseguiu dar o “salto da fé”, que superou a barreira da racionalidade, que abraçou o absurdo na esperança de poder ser um indivíduo pleno diante do infinito de Deus. A fé transcende a razão ao ponto de se poder considerar irracional: “ter fé é precisamente perder a razão para ganhar a Deus”. Por isso, não é a partir da razão e da filosofia que se alcança o conhecimento de Deus, mas através da Fé e da escolha individual de dar um salto existencial.
O absurdo da pobreza, castidade e obediência
O Cristianismo não é uma religião que fuja ou que se assuste com paradoxos racionais. Pelo contrário, aceita e propõe paradoxos lógicos como verdade e assume posições que vão muito para lá da razão. Proclama Maria como Virgem e Mãe, Jesus como Deus e Homem. Ensina o que o mesmo Jesus ensinou: que são felizes os que choram, que ganha a vida quem a perder, que é morrendo que se nasce para a vida. O mesmo Jesus que afirma que o pão abençoado, partido e distribuído é o Seu corpo; que morreu e está vivo.
Podemos ver os conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência como propostas de um radical salto de fé. Posso até ler para estes conselhos como portas que o homem pode atravessar no caminho para o salto que Kierkegaard propõe.
A vida religiosa, como a Igreja a vê, implica uma imitação de Jesus em dimensões humanas importantes como a posse, as relações e a liberdade. Perante todas as possibilidades de escolhas de vida que uma pessoa tem, o religioso ou religiosa escolhe uma certa renúncia nessas dimensões da existência. É uma escolha fundamentada na fé; é uma escolha que é um salto de fé, que vai para além da razão. É uma escolha feita na confiança de sentido da existência que vem da relação com Deus.
Como esta relação com o Deus Infinito é que faz do homem alguém plenamente individual e especialmente amado, único e irrepetível, a opção existencial pela pobreza, castidade e obediência, é fruto de uma vocação pessoal e discernida pelo indivíduo diante de Deus. O mau salto é o “passo maior que a perna”, que só é possível porque Deus me ama.
Imagem: Arnaud Mariat [Unsplash]