O peso do amor universal

Apresento um filme, uma música e um livro que nos podem ajudar a experimentar o derradeiro peso da entrega da própria vida por amor universal, i.e., por amor a todos e a cada um dos seres humanos.

Vi e ouvi:

Dos Deuses e dos Homens, Xavier Beauvois; cena com o tema principal do Lago dos Cisnes, Tchaikovsky

Esta é a história verídica de nove monges católicos franceses que viviam na Argélia durante a guerra civil de 1996. Enquanto prestavam cuidados médicos à população, foram avisados de uma ameaça terrorista iminente que lhes colocou o dilema entre ficar na Argélia e arriscar a vida, ou regressar a França em segurança. O dilema desenvolve-se numa ceia, dentro do Mosteiro, ao som do tema principal do Lago dos Cisnes. Eis o que interpreto:

Os monges reúnem-se à mesa e não falam durante toda a cena. A música começa leve e delicadamente, ao estilo de uma dança cheia de esperança e sonhos. Os monges, por entre olhares e sorrisos, partilham a alegria de estarem juntos e intuo que sentem o mesmo que Jesus, na última ceia, quando Este diz: “Desejei ardentemente comer convosco “(Lc 22,15). 

A seguir, sentam-se, e a música adensa-se dramaticamente. Caem em si, prostrados sobre a realidade: há copos de vinho na mesa, e cabe a cada um decidir se beberá ou não do seu cálice, decidir se fica ou volta para França. Sentem o peso esmagador do dilema, o peso da própria vida que está em jogo. Num instante, é como se lhes passasse, diante os olhos, tudo o que vão deixar para trás: a segurança, o conforto, os bens, as amizades, e até a família. Olham atentamente os cálices que têm na mão, para tomar a necessária consciência de tudo aquilo de que abdicam.

De seguida, voltam-se uns para os outros, agora com sorrisos leves que se sintonizam com a música, novamente animada e cheia de promessas. Cada um decide beber do seu cálice: afinal de contas, era este o culminar da sua vida-missão. Era agora a derradeira oportunidade de dar a vida pelos outros. Todas as suas vidas consistiram em pequenas entregas na direção desta entrega total como hóstias-vivas. Semelhante a um rio que sempre correu e, diante do precipício, não para, antes continua sem hesitação o que sempre fez e reparte-se em mil gotas que são atravessadas pela luz do sol. Os monges bebem e riem-se, quase incrédulos com tudo o que se passava. 

É então que a música volta com a carga da grande cruz que eles escolheram. As caras tornam-se sérias à medida que absorvem o mistério das suas próprias mortes. 

Por fim, a música recupera a sua alegria, prometendo a dança eterna com o Criador, e eles comovem-se na alegria profunda do seu sacrifício. Confortam-se mutuamente como irmãos e encaram o seu interior, onde resta apenas cada um deles e Deus.


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Li:
Diário, Etty Hillesum

Este é o diário espiritual de uma rapariga judia de 27 anos, entre 1941 e 1943, que relata como ela vai preparando o seu coração, para viver de forma igual dentro e fora de um campo de concentração. Ao longo dos dias, vai criando um lugar interior onde Deus pode habitar e onde guarda os escassos momentos de dignidade dos que a rodeiam. 

É de notar, entre muitos belos momentos, quando vai para o campo de concentração “a falar alegremente, a rir, com uma palavra amigável para todos aqueles que encontrava pelo caminho”. E os amigos, certos de que “o seu espírito permanecerá à sua volta”, reagem com “o amor e a confiança que ela lhes transmitiu”, pela paz interior que Deus lhe concedeu.

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