Há qualquer coisa de semelhante entre a poesia e o estudo: há palavras e conceitos, há muito de memória e atenção. Qualquer coisa de conhecimento e compreensão do mundo e da vida.
Mas, ao contrário do estudo, há qualquer coisa na poesia que obriga ao percurso inverso. Obriga, de algum modo, a desaprender. Por isso, estudar poesia é aprender a desconhecer o mundo. Se o estudo nos dá as ferramentas para ver melhor a realidade, a poesia ensina-nos a desvê-la, a dar-lhe voltas: não a ver bem nem a ver melhor, mas a ver além e a ver por dentro. Também a ver diverso, a ganhar um olhar divergente, a assumir que a metáfora expande o que a lógica estreita. É um exercício de humildade e poder, de limitação e criatividade: o mundo é “assim”, mas eu posso mudá-lo, dar-lhe outro sentido, confundí-lo, mostrá-lo de outro modo, revelá-lo a partir de outras imagens, conhecê-lo noutras dimensões. Um verso é um berço.
Muitas vezes o poema revela um segredo sem que o descubramos. A poesia pode trazer um segredo à luz sem lhe tirar a sombra. No estudo as palavras são exatas, na poesia procura-se exatamente a palavra capaz de ser um véu: o véu mostra e deixa entrever, mas a totalidade permanece silêncio e segredo. Acessível e comunicável, mas não totalmente.
Assim, estudar poesia é compreender que o mundo não se pode agarrar. Que a realidade, mesmo a mais exata e inamovível, é símbolo de tudo aquilo que vive dentro de nós. E viver a partir do símbolo é viver exatamente onde as coisas estão, mas deixar que elas nos levem onde realmente estamos. Podemos compreender que viver a partir deste ponto é aceitar a deslocação: sou transportado ao mais interior e fundamental da minha vida, o ponto mais interior que define tudo. Sabemos bem que esse ponto não vem nas letras. Está além delas.
Descobrir esse ponto é o ofício do poeta. Não é comunicá-lo eficazmente, nem explica-lo nem escancarar-lhe a porta de acesso. Mas descobri-lo e dizer “está aqui”. A sua função é uma criatividade atenta que lhe permite ver primeiro que os outros. E ver o quê? Ver um modo de ver. Encontrar um modo de comunicar suficientemente claro para ser comunicação e suficientemente obscuro para ser silêncio.
Compreender isto ensina-nos a respeitar o grande silêncio do mundo, o silêncio dos homens e mulheres: uma interioridade onde a vida se define, onde nada é completamente claro, onde as coisas verdadeiras e fundamentais não podem nunca ser completamente comunicadas em toda a sua extensão.
Porque por mais precisão que tenham as palavras “amor”, “morte”, “saudade”, “desejo”, “vida”, “escuro” e “luz”, bem sabemos como cada uma delas nos desloca muito além de si e de nós.
Talvez ninguém precise de poesia até que pelo menos uma destas palavras ecoe nas paredes internas. Mas, se nenhuma ecoa, talvez estejamos desatentos.
Podemos aprender daqueles e daquelas que guardaram os seus maiores segredos, acendendo-os na luz obscura dos versos. Souberam falá-los sem lhes descobrir a nudez.