Da Economia do Secundário à “Economia da Salvação”
A Economia faz parte da minha vida desde antes de qualquer questão vocacional ter surgido. No secundário do Colégio de São João de Brito estudei na “área” de ciências socioeconómicas, onde me despertou interesse a centralidade da Economia na nossa sociedade. Desde logo, reparava que o modo como a Política segue o seu rumo está estruturalmente marcado por critérios, raciocínios e resultados económicos. Por outro lado, fascinava-me o potencial de impacto social que certa medida económica pode gerar ao nível das empresas, dos Estados ou das grandes Uniões Económicas. Ficou-me, sobretudo, a consciência de que para compreender a complexidade do “fenómeno humano” era necessário pôr em diálogo as diferentes Ciências.
De facto, a importância conferida na Companhia, desde o tempo de Santo Inácio, a missões como a Administração Local ou Provincial (i.e. a gestão dos bens temporais) diz respeito a todos, não só no esforço de tornar sustentável a vida, mas também a missão.
Mais tarde, tirei a Licenciatura em Economia na Nova School of Business and Economics, em Lisboa. Além da experiência de inovação que representou a mudança para o magnífico campus de Carcavelos, recordo a excelência de alguns professores, pedagogos disponíveis, mas sobretudo, o proveito de trabalhar em conjunto com verdadeiros amigos, sobre temas relevantes dos dias de hoje como as causas económicas dos Populismos, o Protecionismo Comercial ou a Integração Europeia.
Ainda assim, a sede de pôr em diálogo a Economia com o pensamento filosófico e a ação política encontrou resposta no semestre de intercâmbio na Universidad de Buenos Aires, parte de uma experiência cultural e humana enriquecedora e transformadora. Pude tomar contacto com o pensamento de diversos autores e tradições económicas, ler as suas obras e dissertar sobre o evoluir da ciência que se esconde por detrás dos modelos económicos – os pressupostos, os critérios, os objetivos, a interação das variáveis – e a sua capacidade de não só descrever e prever, mas de agir sobre a realidade.
Com o terminar dos estudos no Colégio e, sobretudo, no final da Licenciatura, – nesses tempos favoráveis de levantar os olhos para sonhar “um futuro com Deus” – a questão vocacional que me fazia aproximar da Companhia de Jesus veio sempre acompanhada de grandes desejos de aprofundamento e envolvimento no nosso mundo através da Economia. O desígnio do cristão de ser “fermento na massa”, vivendo a partir do serviço, encontrava, para mim, na escolha de um mestrado nestas áreas, um passo plausível. Até que, como a Mateus “sentado no posto de cobrança”, um “amor maior” irrompeu na minha vida, reconfigurando todo o universo das prioridades e das propriedades. O futuro que se antevia ganhou novos contornos e a vocação a ser jesuíta sobrepôs-se a tudo, de maneira única e íntima. Assim, a “Economia da salvação” cativou-me em exclusividade, fazendo-me assumir a minha história com gratidão e olhar para o futuro com sentido de missão.
A Economia como cuidado da casa
Etimologicamente, “Economia” provém do grego oikonomía que se refere à “gestão da casa”. Para um jesuíta que se incorpora progressivamente neste grupo de “amigos no Senhor”, o cuidado com as “coisas da casa” é valorizado desde o início. O voto de pobreza é em si um estímulo para cuidar daquilo que, ao invés de ser nossa pertença, nos é confiado e está “a nosso uso”. Nesse sentido, a máxima económica que se propõe responder “às necessidades ilimitadas a partir da escassez dos recursos” parece inspiradora para quem deseja viver segundo o Evangelho, em comunidade. Ao mesmo tempo que se exercita a prontidão para a mobilidade que a missão exige, é necessário cultivar uma responsabilização por aquilo que é de todos. De facto, a importância conferida na Companhia, desde o tempo de Santo Inácio, a missões como a Administração Local ou Provincial (i.e. a gestão dos bens temporais) diz respeito a todos, não só no esforço de tornar sustentável a vida, mas também a missão.
Por outro lado, uma das Preferências Apostólicas Universais da Companhia Universal para a década 2019-2029 desafia-nos a “colaborar com outros no cuidado da Casa Comum”. É inegável a situação de calamidade climática em que nos encontramos, e as sucessivas campanhas de sensibilização e compromisso ao nível internacional não parecem suficientes para inverter o rumo dos acontecimentos. Na esfera pessoal, esta situação exige, mais do que alterarmos certas exterioridades do nosso estilo de vida pessoal ou comunitário, convertermos as nossas mentalidades no sentido de uma “ecologia integral”. Segundo o Papa Francisco, a necessária “conversão ecológica”, implica “deixar emergir, nas relações com o mundo que nos rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus” (Laudato si’, 217). Ao nível económico, esta conversão passa, nomeadamente, por rever os modelos de crescimento económico, valorizando e incluindo quantitativamente elementos climáticos, na promoção de um crescimento sustentável no médio-longo prazo, como propôs William D. Nordhaus, prémio Nobel da Economia em 2018.
A Promoção da Justiça que se funda no Serviço da Fé
Em resposta ao Concílio Vaticano II, a Companhia de Jesus adequou a sua missão de sempre aos “sinais dos tempos”, definindo a “Promoção da Justiça” como uma consequência necessária do “Serviço da Fé”. À maneira de Jesus, o ungido para “anunciar a Boa-Nova aos pobres” e enviado a “proclamar a libertação aos cativos”, o jesuíta não se contenta com um anúncio da Fé que não se concretize em frutos de Bem Comum, Dignidade Humana e Solidariedade, valores que antecipam e realizam o Reino de Deus.
Neste sentido, a Doutrina Social da Igreja é o conjunto de ensinamentos da Igreja que procura aplicar o Evangelho às realidades económicas e sociais dos tempos de hoje, partindo de princípios gerais que cada cristão deve adotar nas relações sociais que estabelece e nas decisões económicas que toma. No limite, a opção preferencial pelos pobres, tomada pelos cristãos por ter sido a opção preferencial de Jesus, configura um modo de olhar para o mundo e de agir sobre ele como “ungido” e “enviado”.
Iniciativas como a Economia de Francisco representam fóruns privilegiados para conhecer práticas inspiradoras, questionar certos preconceitos nos modelos económicos vigentes e concentrar esforços no sentido de responder ao, cada vez mais ensurdecedor, “clamor da terra” que é indissociável do “clamor dos pobres”. Segundo o pacto assinado entre o Papa e os jovens de todo o mundo que se reuniram em Assis no início de outubro, ousar construir uma “Economia do Evangelho” passa por pô-la ao serviço da pessoa humana, da família e da vida; por promover a paz e não alimentar a guerra; por não deixar ninguém para trás; por se edificar a partir dos descartados; por reconhecer na Finança uma aliada para promover trabalho digno; por valorizar e salvaguardar os recursos da Terra, as culturas de cada povo, e a abertura à transcendência de cada homem e mulher.
Que o ardente desejo de “transformar a realidade em Reino” encontre lugar no coração de cada cristão e inflame todas as coisas.