Colaborar no Cuidado da Casa Comum

Não é preciso inventar a roda, é preciso é pôr a roda a andar!

Colaborar no cuidado da Casa Comum é mais uma das Preferências Apostólicas Universais (PAU) da Companhia de Jesus, que servirá de linha orientadora para o seu trabalho, na próxima década. Alinhada com a Igreja, a Companhia propõe-se “colaborar com os outros na construção de modelos alternativos de vida, baseados no respeito com a criação e num desenvolvimento sustentável capaz de produzir bens que, justamente distribuídos, garantam uma vida digna a todos os seres humanos no nosso planeta” (Carta do P. Arturo Sosa Geral à Companhia de Jesus, Preferencias Apostólicas Universales de la Compañía de Jesús, 2019-2029, p. 5). Mas o que é que isto realmente significa?

Gostava de lembrar que as crises ecológica e social que atravessamos não são duas crises distintas, mas apenas uma, que se manifesta de formas diferentes. É uma crise antropológica, aquela que vivemos. O Papa Francisco explica isto muito bem na maravilhosa encíclica Laudato Si. Foi este documento que deu o pontapé de saída para uma maior preocupação global da Igreja ao nível ambiental e, consequentemente, animou a Companhia de Jesus a assumir esta PAU.

Neste texto, quero focar o que me parece ser o primeiro (e principal) ponto do que esta PAU significa: conversão, mudança de hábitos de vida. Isto talvez pareça pouca coisa, mas considero que tem muito por onde aprofundar. Começo, por isso, com uma pergunta provocatória: o que será mais difícil de mudar, uma crença ou um hábito? Ainda que, numa primeira abordagem, a resposta possa ser “uma crença”, depois de aprofundar a questão, parece-me que se torna evidente que um hábito é muito mais difícil de mudar [1].

É relativamente fácil – ainda que às vezes permaneçamos cépticos – acreditar que a nossa irmã Terra está a ser devastada, pelo nosso uso irresponsável dos bens que Deus nela colocou. É fácil também – ainda que às vezes não queiramos ver – perceber as enormes desigualdades sociais do nosso mundo. Contudo, tomar decisões audazes que evitem novos danos; modificar os hábitos de vida, numa cultura baseada no consumo da produção irracional de bens; romper a nossa consciência isolada e individualista; ui…! Isso é que é mais difícil! Isso, sim, dá mais trabalho, requer paciência e perseverança.

Novas estruturas económicas e estados sociais perfeitos, podem ajudar a combater a degradação ambiental e humana; mas estou convencido de que, mais do que tudo, estamos profundamente dependentes duma mudança pessoal e comunitária, de hábitos. A construção de modelos alternativos de vida começa nas mudanças, pequenas e simples, dos nossos modelos actuais. Não é preciso inventar a roda, é preciso é pôr a roda a andar.

Olhar com atenção as formas verbais “colaborar” e “cuidar” pode ajudar a compreender melhor esta ideia, bem como a “pôr a roda a andar”. Colaborar vem do latim co laborare (trabalhar com). Colaborar implica trabalhar em conjunto, caminhar em grupo para algum lado. Colaborar leva-nos a ter um sentido, sem deixar ninguém para trás. Colaborar é estar atento a quem está à nossa volta. Por outro lado, cuidar vem do latim cogitare (pensar). Cuidar significa parar para pensar, reflectir. Cuidar é o contrário de actuar mecanicamente e massivamente. Cuidar é pensar em quem me rodeia e nas suas necessidades. Cuidar é pôr o outro à minha frente, é atenção. Colaborar e cuidar implicam tempo e escondimento. São actividades demoradas que pedem paciência e dedicação. São verbos que nos voltam para fora de nós mesmos, que humanizam o mundo.

Eis aqui, algumas perguntas acerca de hábitos pequenos e humildes, de colaboração e cuidado com quem está à nossa volta, que nos podem ajudar a caminhar neste processo de conversão:

Quanto tempo do meu dia passo em contacto com a natureza? E ao computador?
Quando tempo uso a cuidar das minhas fotografias no Instagram? E de alguém mais velho na minha família que precise de companhia? Ou duma planta/horta em casa?
Em que momentos do dia de hoje perdi a paciência? E em quais mantive a paciência?
Conheço alguém que tenha contribuído para o processo de produção da comida que tenho no meu frigorífico? Ou de alguma peça de roupa que tenho no armário?
Que tempo de conversas profundas tive esta semana? E que tempo de conversas banais no Whatsapp?
Em que momentos do dia de hoje tomei atenção às necessidades de quem está perto de mim? E quando estive preocupado apenas em satisfazer as minhas necessidades?

Não gostamos muito de pequenezas, mas este é um tempo de pequenas soluções. E, diz-nos o Papa Francisco, “não se pense que estes esforços são incapazes de mudar o mundo. Estas acções espalham, na sociedade, um bem que frutifica sempre para além do que é possível constatar; provocam, no seio desta terra, um bem que sempre tende a difundir-se, por vezes invisivelmente. Além disso, o exercício destes comportamentos restitui-nos o sentimento da nossa dignidade, leva-nos a uma maior profundidade existencial, permite-nos experimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo” (Laudato Si, nº 212).

 

[1] Neste video podem ver uma palestra interessante de Pedro Calabrez, cientista brasileiro na área das neuro-ciências, sobre este tema.