CAN’T TOUCH THIS!

Adiamos tarefas porque amanhã há tempo, adiamos prazeres porque ainda agora é meio dia e, mesmo que agora fosse bom, tomar café depois do almoço é ainda melhor

A ressurreição não se deixa agarrar. Por mais que alonguemos os dedos e estendamos a inteligência, apenas o reconhecimento do limite nos pode fazer meter um pé no chão da ressurreição.

Crer em Cristo Ressuscitado não é produto de um raciocínio óbvio, não se pode colher evidentemente da realidade como quem apanha frutos. Aquilo que, penso eu, é óbvio na vida de cada homem e mulher – e isto, sim, aponta-nos além de nós mesmos e do nosso limite – é um constante movimento interior numa direção desconhecida: um além. Não me refiro necessariamente (ainda) ao “depois da morte”. Pode ser apenas o depois de amanhã. A verdade é que nada de nós se contenta com um fim: fazemos planos sempre para depois. Adiamos tarefas porque amanhã há tempo, adiamos prazeres porque ainda agora é meio dia e, mesmo que agora fosse bom, tomar café depois do almoço é ainda melhor. Vivemos como se nos fosse prometido que depois haverá alguma coisa além (e até melhor) do agora.

Isto lança-nos na vida com um grande ânimo, porque com expectativa e esperança. E, simultaneamente, com a possibilidade de desânimo, porque a expectativa pode ser um tiro ao lado e a esperança um tiro no pé. Assim descobrimos um outro lugar inevitável da nossa vida: o risco. É o lugar onde as nossas mãos falham, onde nos apercebemos que nem tudo, especialmente aquilo que é grande e fundamental, se pode agarrar e controlar.

Compreendendo isto, vou-me apercebendo de que o nosso estilo de vida insiste em nos fazer esquecer deste ponto fundamental. É que aprendemos a manipular o mundo, a alterá-lo, a gastar como quem não tem mãos a medir, sem nunca ter medido o gasto das mãos. Aprendemos a controlar e ganhamos-lhe o gosto.

Mas as coisas fundamentais da vida são de uma grandeza que derrota as nossas mãos. E aquilo que nos escapa às mãos tem um nome: promessa. Mas o que é uma promessa. Uma promessa é uma espécie de vislumbre que desencadeia em nós um dinamismo interior de esperança – de que a promessa se cumpra – e de pertença – a quem nos faz tal promessa -. E nisto é também a base de todo o amor; amor que é uma misteriosa promessa feita por alguém de nos dar uma espécie de “terra prometida” onde a nossa existência se realiza e a vida é mais plena: o amado/a é sempre alguém que nos prepara esse lugar no mundo. Um lugar, está claro, que nunca posso verdadeiramente possuir, porque apesar de ser para mim, não é meu.

Ora, a ressurreição é isso mesmo. Um lugar oferecido que eu não posso possuir, porque sendo para mim, não é meu. É promessa e não depende da pressa dos meus olhos nem da fome das minhas mãos. É a mais completa espera.

A espera, bem como a paciência e a fidelidade de que necessita, é um músculo que vamos perdendo, num mundo tão frenético que germina ansiedades. E assim tudo o que é pressa vai-se tornando o óbvio, devorar substitui o gostar, os laços são feitos de corda cada vez mais gasta, a fidelidade como um parquímetro a conta moedas. Não há passo maior que as pernas porque aprendemos a fugir ao chão. Queremos encurtar (ou cancelar, até) o espaço entre promessa e realização. Meter à força o gradual dentro da caixa apertada do instantâneo como quem cozinha um jantar no micro-ondas.

Maria Madalena, quando vê o Ressuscitado (Jo 20) e se lança para o ter nos braços é lembrada de que não o pode deter. Ela vê, já no seu dia, como a promessa é cumprida. Ainda assim, não a pode ter nas mãos. É necessário deixar que se cumpra além do óbvio. Jesus, aquele de quem depende a promessa que lhe foi feita, deve ausentar-se. Vai preparar-lhe um lugar (Jo 14,3). Um lugar que pode entrever e experimentar, mas não ainda completamente. A partir deste momento a sua grande esperança terá um fundamento (fez experiência dela), mas nunca poderá negar a evidência de que Jesus, agora, não está como os outros estão. Assim, a partir do momento da ausência, ela deve aprender um novo modo de reconhecer a presença daquele de quem depende a validade da sua vida. Isto é, a sua salvação.

Se há coisa em que a experiência da ressurreição pode trazer uma luz renovada, é este ponto: compreender que a maior verdade da vida humana – isto é, aquilo que lhe dá validade – não será nunca satisfeita pela imediatez nem pela possessão, mas pela esperança de responder a uma promessa maior do que eu mesmo. Promessa que não depende de mim, mas que entre o medo do desamparo e alegria do cumprimento me projeta para o futuro.

A ressurreição instaura um novo ritmo, que redescobre a festa que não é a imediatez da euforia, mas verdadeiro gozo e alegria nas relações humanas e na relação com o mundo criado. Novo ritmo que é, de certa forma, protesto contra uma cultura instantânea e consumista, porque aprendeu como há um tempo diferente para gozar verdadeiramente do mundo e das relações, tempo esse que é oposto à voracidade e à possessão.

E, por não ser imediata, a experiência da ressurreição enquanto dinamismo vivo é também uma escola de fidelidade para quem crê. Isto porque aprendeu que há, entre a promessa e a sua realização, um espaço necessário à maturação; um espaço-tempo de ausência, mas com uma finalidade: aquele que se ausenta, ausenta-se para preparar um lugar nosso.

Fotografia: Melissa Carvalho