«Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, com medo das autoridades judaicas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!» Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o peito. Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor.» (Jo 20, 19-20)
Um dia, ao escutar esta passagem, interpelou-me o modo como Jesus mostrou as suas mãos e o peito. As suas chagas foram o sinal da sua presença viva que converteu o olhar e o coração dos apóstolos, que despertou a alegria.
Como é possível que, uma chaga, uma ferida aberta não cicatrizada, seja sinal de alegria?
Jesus mostrou as chagas da sua crucificação, de onde jorrou sangue, depois de um processo de condenação e morte que nos leva a contemplar o modo como ele se humilha, sofre e padece por nós.
As suas chagas estão no seu lado, no Seu Coração, nas Suas mãos e nos Seus pés. O que representam estas chagas?
O lado aberto de Jesus remete-nos para contemplação do interior do coração do ser humano dilacerado e da ausência de Deus. As chagas das mãos lembram-nos a incapacidade do ser humano de partilhar. As chagas dos pés recordam-nos quando o ser humano prefere caminhar sozinho.
O papa Bento XVI explica-nos o seguinte:
«Ele [Jesus] apresenta perante o coração do próprio Deus o brado de angústia do mundo atormentado pela ausência divina. Identifica-se com o Israel sofredor, com a humanidade que sofre por causa da “obscuridade de Deus”, assume em Si o seu brado, o seu tormento, toda a sua necessidade de ajuda e, deste modo, ao mesmo, transforma-os.» (1)
As chagas de Jesus jorraram sangue para a expiação dos “infernos da vida”. Jesus seco, esvaziado, ressequido e sufocado disse “Tenho Sede!” (Jo 19,28), um brado e um lamento de Deus que nos chama e aperta o nosso coração.
O coração de Jesus bateu lentamente, abrindo a via da passagem da morte para a ressurreição. Neste sentido, Jesus compreende os nossos corações, os nossos trabalhos e sofrimentos, mas ao mostrar as suas mãos e o lado após a Ressurreição, transforma-nos para as alegrias e para a esperança.
O sinal visual das suas chagas e o reconhecimento da Sua voz através da frase «A paz esteja convosco!», apaziguou o coração dos apóstolos e a paz interior e a alegria instalam-se definitivamente no seu interior. A morte de Jesus foi um esvaziamento que deu lugar à Esperança. O medo dos Apóstolos cercou a Esperança, mas a Sua presença desbloqueou-os e o seu testemunho perdurou até aos dias de hoje.
Há esperança! Jesus confia uma missão para cada um de nós: no olhar, no cuidar, no escutar e no curar as feridas humanas. Se a Ressurreição sarou as chagas de Jesus, percamos o medo e tenhamos esperança de que também a Sua ressurreição pode sarar as nossas feridas e as do nosso próximo.
Tenho ouvido relatos de um gesto, de um sorriso, de uma serenidade, de uma alegria, de um anúncio, de uma visita, enfim de tantas e tantas desmonstrações que as pessoas partilham e que, na fé, afirmam a Sua presença.
Somos testemunhas da sua Ressurreição e podemos ver de forma renovada a pessoa de Jesus Ressuscitado nos nossos corações. Andamos à busca de Jesus e afinal está vivo no meio de nós.
Uma Santa Pascoa para todos!
(1) Jesus de Nazaré – Parte II – Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, Joseph Ratzinger/Bento XVI – pág. 176
Fotografia: Melissa Carvalho