Há umas semanas passei uns dias no mosteiro das Monjas de Belém. A vida destas mulheres escondidas no silêncio, a alegria com que vivem uma vida que nos parece tão incomum, faz-me dar voltas por dentro. O que as arrasta à solidão? Num movimento que foge à nossa lógica, percebo que foram atraídas, seduzidas pelo amor de Cristo. Fazem-me lembrar a passagem de Oséias: “É assim que a vou seduzir: atraí-la-ei ao deserto, para lhe falar ao coração” (Os 2, 16).
A par disto, apercebo-me que, muitas vezes, ao falarmos de vocações e discernimento, a nossa linguagem foge para a importância de tomar boas decisões, de levar a razão a perceber aquilo que nos pede este Deus em que cremos, porque acreditamos, à luz da fé, que Ele tem para nós desejos e que a nossa alegria é mais completa quanto mais a nossa vida se assemelha ao que Ele sonha para nós. E tudo isto é verdade.
No entanto, na vida mais íntima de cada mulher e de cada homem, há um ponto, muito interior e muito divino, que não consegue ser abarcado nem compreendido por um modo apenas “sistemático” de pensar a vocação. Não chegam apenas a memória – que recorda os momentos e o modo como Deus nos tocou o coração -, o entendimento – que tenta perceber que modo de vida se adequa a esses toques -, e a vontade – que deseja o modo de vida a que Deus nos quer conduzir. Isto não basta se falta atender ao mais necessário, que coroa todo este processo: o amor de Cristo que atrai.
Percebi que estas mulheres, escondidas no silêncio, estão escondidas no amor de Deus. Estão escondidas nesse amor como noivas que aguardam o Esposo-Cristo. A vocação delas fala-me de como, antes de tudo o resto, é o amor que arrasta e tem o lugar primeiro.
Acreditamos que Cristo é o Mestre, o Amigo, o Senhor, o Pastor, Aquele a quem seguimos e anunciamos. Mas lembramo-nos que Ele é o Esposo? Sejamos mulheres (como elas) ou homens (como eu), Cristo é o Esposo! Talvez para os homens, no pudor masculino, se possa chamar-lhe “Esposo da alma”, como S. João da Cruz, no “Cântico Espiritual”. De qualquer forma, chamar-lhe de Esposo é reconhecer que o amor de Deus tem uma carga de atração e enamoramento.
E quando é de Esposo que falamos, é no amor que toda a vocação passa a ser vista. Então, procurá-la e descobri-la é seguir atraídos por um amor que quer ser total e não dispensa o eros (de onde vem a palavra erotismo), isto é, a sua dimensão que é atração e desejo, porque Cristo é atractivo e atraente. Ele é o Amado que fere o coração de quem ama. Essa ferida dá-nos duas coisas: o desejo de O procurar, porque assim o pede a ferida aberta; e uma marca de pertença, porque a carência (a ferida) é a marca do amor. Se Ele rouba o coração pelo amor com que o ama, este agora pertence-Lhe.
Assim, discernir a vocação é procurar esse lugar em Cristo onde o coração de cada um está guardado. No fundo, é ir de encontro ao nosso próprio coração, que mais do que nosso, é d’Aquele que o guarda desde sempre. Nessa busca, amamo-Lo e, por isso, também o nosso amor o fere. Também Cristo está ferido de amor por nós. Também ele nos diz “Roubaste-me o coração com um só dos teus olhares” (Cântico dos Cânticos 4, 9), aquele “olhar límpido cuja visão clara fere de amor o Esposo” (Carta de S.Bruno a Raúl Le Verd).
O nosso desejo de descobrir ao que somos chamados, seja ao que for, tem sempre esta marca do coração ferido pelo amor de Cristo, que nos arrasta ao lugar onde mais O podemos amar e onde mais nos sabemos amados. Esse lugar em Deus, onde repousa o coração que O busca, é a vocação.