Em 1970, Milton Friedman, um influente economista liberal, publicou na New York Times Magazine um artigo provocador onde defendia que a responsabilidade social das empresas é aumentar os seus lucros (versão portuguesa aqui). O artigo está bem escrito e a argumentação é convincente, mas um olhar mais ponderado detecta alguns limites na tese de Friedman.
Friedman nota que os gestores trabalham ao serviço dos accionistas e, como tal, têm a responsabilidade de gerir a empresa de acordo com as orientações e objectivos dos seus patrões, que normalmente pretendem ganhar dinheiro com o negócio. Assim, os gestores devem trabalhar para aumentar o lucro da empresa e a remuneração dos accionistas. Agir de outra maneira, utilizando os rendimentos da empresa para perseguir objectivos sociais (tais como o combate à pobreza, eliminar a discriminação, evitar a poluição…) seria utilizar o dinheiro dos accionistas para fins que eles não pretendem, impondo-lhes custos que funcionam como uma espécie de imposto. Ora, cobrar impostos e decidir a sua aplicação é uma função de governos democraticamente eleitos. Mas, neste caso, gestores não eleitos assumem esse papel e acabam por operar como se fossem funcionários públicos que definem sozinhos os objectivos políticos a alcançar, embora não tenham legitimidade democrática para tal. Por isso, Friedman chega mesmo a afirmar que a responsabilidade social ameaça as sociedades livres e é uma aceitação implícita da visão socialista de que mecanismos políticos são mais adequados do que mecanismos de mercado para decidir a alocação de recursos escassos. (Isto é apenas um breve resumo do artigo; para melhor compreender a linha argumentativa de Friedman e avaliar os seus pontos fortes e fracos, vale a pena lê-lo na íntegra.)
Não há dúvida que as empresas devem gerar lucro e ser capazes de remunerar os seus investidores. O lucro é um importante indicador de saúde da empresa e é através dele que os negócios podem inovar, crescer e gerar mais emprego. Só por si, isso tem um impacto social positivo. Contudo, daí a afirmar que o único objectivo das empresas é gerar lucro e que estas não devem ter preocupações sociais vai um grande passo.
Na verdade, Friedman admite que o proprietário de um pequeno negócio pode utilizar o dinheiro da empresa para fins sociais, já que aí estará a usar o seu dinheiro, não o de terceiros. A eventual perda de rentabilidade da empresa será problema seu. Se expandirmos esta lógica, podemos assumir que os accionistas de grandes empresas queiram perseguir objectivos sociais e dêem essa instrução aos gestores, que assim estariam a seguir as orientações do patrão e não a actuar à sua revelia. Deste modo, já não se pode dizer que estes estão forçar os seus patrões a ‘pagar impostos’.
Permanece, porém, a questão de uma empresa assumir objectivos sociais sem ter legitimidade democrática para isso. A este respeito, encontramos outra contradição no discurso de Friedman. Este admite que os gestores, sendo cidadãos de pleno direito, podem assumir responsabilidades sociais no âmbito de outras organizações, como associações que têm fins explicitamente sociais. Aí estaria a usar o seu dinheiro e não haveria problemas de “taxação indevida”. No entanto, se seguirmos a lógica de Friedman segundo a qual as empresas que perseguem objectivos sociais não foram eleitas para o fazer, não poderíamos afirmar o mesmo em relação às instituições privadas de solidariedade social? Levando a questão ao absurdo, poderíamos mesmo perguntar se só se devem perseguir objectivos sociais quando estes são escolhidos democraticamente. Certamente que Friedman não defenderia isso. Além do mais, Friedman parece ser alheio à ideia de que os consumidores “votam com a carteira”. Isto é, quando decidem adquirir um determinado produto, os consumidores estão a dar um voto de confiança na sua qualidade e também na empresa que os produz, podendo optar por não comprar uma determinada marca por não se reverem nas suas práticas (por exemplo, evitando marcas que usam trabalho infantil). Assim, o mercado pode funcionar como um mecanismo democrático em que os consumidores avaliam a legitimidade dos objectivos sociais procurados pelas empresas.
Contudo, a grande fragilidade do artigo de Friedman é tratar a empresa como se fosse uma ilha isolada. Qualquer empresa, na sua actividade normal, tem impactos sociais, positivos e negativos, propositadamente ou não. Friedman não parece ter isso em conta ou, pelo menos, não vê nisso um problema, ao contrário do que acontece quando uma organização define explicitamente objectivos sociais. Quando lança um produto inovador, a empresa está a moldar a sociedade, para o bem e para o mal. Considere-se, por exemplo, a venda de smartphones. O impacto social dos smartphones foi enorme e não houve nenhuma votação democrática a legitimar os seus benefícios (maior facilidade de comunicação, por exemplo) nem os seus malefícios (novas formas de dependência).
A actividade empresarial costuma ter externalidades, positivas e negativas, que trazem benefícios e custos à sociedade como um todo e afectam também a própria empresa. Não é justo, por exemplo, que uma empresa polua um rio impondo custos à população envolvente — custos esses que acabarão por atingir também a empresa e o seu negócio — e não se responsabilize por isso, mesmo se a legislação ainda não for capaz de lhe imputar a culpa.
Em síntese, nenhuma empresa pode posicionar-se como uma entidade isolada do tecido social, onde só importa fazer lucro, como se não tivesse nada que ver com o resto da sociedade. Tal atitude, sobretudo nos dias de hoje, levaria sem dúvida a uma queda do rendimento. No fim de contas, a responsabilidade social das empresas vai muito para além do lucro.
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