Aristóteles, filósofo grego do séc IV a.C., marcou de forma decisiva o pensamento e a sociedade ocidental e ainda hoje influencia filósofos de todo o mundo. A Ética a Nicómaco, dedicada ao seu filho, é a sua grande obra sobre ética, onde ele se debruça sobre o que constitui uma vida boa e o recto agir.
Segundo Aristóteles, todas as acções têm em vista um bem que procuram alcançar. O estudante estuda para fazer um curso superior ou o médico trata o doente para que este tenha saúde. Por sua vez, o doente procura a saúde para poder trabalhar e deseja trabalhar para poder sustentar a sua família. Isto não quer dizer que a saúde, o trabalho ou o conhecimento não sejam bens em si mesmos: são, têm valor por si, e podem ser procurados apenas por eles mesmos. No entanto, podem também ser buscados com vista a outra coisa. Esta cadeia de bens procurados, diz Aristóteles, não pode continuar até ao infinito. Se assim fosse, do que andávamos, de facto, à procura? Assim, tem de haver um bem último, com valor em si mesmo, procurado sem ter em vista nenhuma outra coisa: esse bem é a felicidade. Com efeito, toda a gente quer ser feliz e busca a felicidade por si mesma, sem ter em vista outro fim.
Que toda a gente quer ser feliz e procura a felicidade é mais ou menos intuitivo. O problema será dizer o que é a felicidade. O termo usado por Aristóteles para felicidade é eudaimonia, que remete para uma tradição diferente da felicidade hedonista, que tende a considerar que a felicidade é o prazer ou a ausência de sofrimento. É tentadora esta ideia e parece dominar hoje em dia, mas o hedonismo significará uma condenação à infelicidade: não há vida humana sem sofrimento nem em constante estado de prazer. Mas então não é possível ser feliz? Ou é possível, mas apenas nalguns momentos fugazes?
Talvez precisemos de buscar um outro entendimento de felicidade e a tradição da eudaimonia proposta por Aristóteles parece ser uma boa alternativa. É muito comum ouvir-se dizer que ser feliz é ser rico ou que é feliz quem beneficia da admiração dos outros. Aristóteles, porém, rejeita que seja isso a felicidade. Na verdade, a riqueza não se procura por si mesma, é sempre instrumento para outra coisa. E a fama ou a honra não dependem da pessoa, mas sim da avaliação que outros fazem do carácter de alguém.
Para Aristóteles, a vida feliz será aquela que permite à pessoa desenvolver as suas capacidades e florescer, é uma vida na qual o ser humano realiza a sua natureza. A natureza própria do homem é a sua capacidade racional, que o distingue dos demais seres. As plantas têm a capacidade vegetativa (crescer, nutrir-se, reproduzir-se); os animais acrescentam-lhe a capacidade sensitiva (sentir, ter apetite) e o homem, para além destas duas, tem ainda a capacidade racional. Nesse sentido, a vida boa será aquela que realiza o potencial da razão. É uma vida contemplativa, dedicada ao uso da razão e na qual esta domina sobre as outras capacidades humanas, sendo exercida com excelência. A vida feliz, para Aristóteles, é pois aquela que se serve da razão e a eleva à excelência, para contemplar a verdade eterna, que seria a forma mais elevada do uso da razão.
Isto não basta, porém, para uma vida boa. Na verdade, este estado não se pode alcançar sem mais. Aristóteles liga a felicidade à prática das virtudes, hábitos bons que conduzem o homem para o seu fim e que possibilitam que as suas acções sejam praticadas com excelência. As acções virtuosas são, por si, um bem, mas elas encaminham ainda para a felicidade. Por outro lado, os bens materiais são também importantes para a vida boa. A privação de certos bens materiais colocará impedimentos ao desenvolvimento humano. Se alguém passa fome e não consegue sequer satisfazer plenamente as suas necessidades nutritivas, dificilmente conseguirá potenciar a sua razão. Há ainda a considerar os amigos: para Aristóteles, é bem claro que o homem é um ser de relação e, como tal, nunca se realizará isolado dos outros.
Em suma, a felicidade para Aristóteles é uma vida integrada, completa, na qual o homem realiza o seu potencial e chega a contemplar a verdade eterna. S. Tomás de Aquino não terá dificuldade em adaptar esta teoria à sua visão cristã: para ele, contemplar a verdade eterna é contemplar Deus e será essa a felicidade do homem.
Tudo isto parece sugerir que devíamos então ser todos filósofos, mas talvez possamos alargar a ideia de o que seja realizar o potencial do homem. De facto, nem todos somos feitos para ser filósofos e para dedicar a vida aos livros e ao pensamento. Enquanto seres humanos, temos uma natureza comum, mas também uma natureza própria, que nos torna únicos. Se cada um for capaz de descobrir a sua própria identidade e o caminho que o leva a realizar o seu potencial — alguns chamariam a isto vocação —, que requer sempre o uso da razão e a prática das virtudes (seja numa vida de pensamento ou de cariz mais prático, como é o trabalho de um carpinteiro), talvez chegue a contemplar a sua própria verdade e, por esta via, entre em contacto com a verdade eterna.