10 anos de Laudato Si e a Ecologia Integral como missão da Igreja

A Ecologia Integral tornou-se hoje um vetor importante da missão da Igreja e não pode ser vista como um apêndice mais ou menos opcional do anúncio e do testemunho dos cristãos.

A propósito de um seminário interdisciplinar que frequento na Universidade Gregoriana sobre os fundamentos económicos e sociais da Ecologia Integral, resolvi retomar algumas das intuições da Laudato Si sobre esta temática e os seus aspetos socioeconómicos. Como modo de marcar o aniversário da primeira encíclica social de Francisco, partilho esta releitura que fiz de um texto que marcou profundamente o modo da Igreja se relacionar com o mundo da ciência e da política internacional, com todas as ameaças e oportunidades que comporta.

Na primeira parte, resolvi encontrar evidências na obra escrita pelo Papa Francisco que respondessem à pergunta “O que é a Ecologia Integral”, sob quatro perspectivas essenciais. Na segunda parte, apresento uma síntese pessoal sobre três aspetos socio-economico-eclesiais da Ecologia Integral que me parecem mais pertinentes de sublinhar neste momento.

 

I. O que é a Ecologia Integral?

1. A Ecologia Integral parte do princípio de que tudo está interligado. O homem vive no meio da interdependência dos sistemas e é parte integrante deles.

Creio que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. (…) Nele vemos até que ponto são inseparáveis  a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o compromisso com a sociedade e a paz interior (LS 10).

Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade. (LS 91).

 

2. A Ecologia Integral faz-nos passar da lógica da exploração para a lógica do dom, que não faz de nós donos, mas cultivadores e guardiões.

Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta abertura ao espanto e à admiração (…) as nossas atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais, incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos (LS 11).

Pelo contrário, uma ecologia integral exige que estejamos intimamente unidos a tudo o que existe, que nos dediquemos a recuperar uma harmonia serena com a criação, que reflitamos sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, que contemplemos o Criador (LS 225).

 

3. A ecologia deve ser integral e integradora, relacionando íntima e simultaneamente os seus aspectos ambientais, económicos, sociais, culturais e quotidianos. 

Uma verdadeira abordagem ecológica torna-se sempre uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o ambiente, para escutar tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres (LS 49).

Não existem duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental (LS 139).

 

4. A ecologia está intimamente relacionada com o princípio do Bem Comum e da justiça intergeracional.

Já não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeneracional (…). O ambiente situa-se na lógica do receber. É um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte (LS 159).

 

II. Quais são os três aspetos socio-económico-eclesiais mais significativos da Ecologia Integral?

1. A noção de limite e a redefinição do crescimento económico para superar o paradigma tecnocrático “que mata”

O paradigma do crescimento sem limites utiliza a “violência do sem limite”. Este paradigma é incompatível com a finitude própria do nosso mundo e da criação de que somos parte. Há duas abordagens ao conceito de limite com os quais nos devemos confrontar: os limites dos recursos físicos e naturais do mundo, por um lado, e os limites determinados pela interdependência humana e social, por outro.

A absolutização do crescimento económico sem mais é prejudicial não só para o ambiente e a sociedade, mas também, paradoxalmente, para a economia numa perspetiva de longo prazo. É paradigma do tecnocrático do incrementalismo caracterizado por: crescimento sem criação de novos empregos (“jobless growth”), crescimento que só beneficia os ricos (“ruthless growth”), crescimento sem reforço da participação cívica (“voiceless growth”), crescimento com perda de identidade cultural (“rootless growth”) e crescimento que sacrifica as gerações futuras (“futureless growth”).

Em suma, crescimento económico que não diminua as desigualdades, que não resolva os problemas reais das pessoas, que não beneficie quem tem menos e se sente esquecido, jamais será um meio eficaz para promover o tal desenvolvimento integral que a Dignidade da Pessoa Humana exige (Paolo Conversi, I fondamenti economici dell’ecologia integrale).

 

2. A Doutrina Social da Igreja como fruto do encontro entre “o rico património da fé cristã” e “as questões, preocupações e desafios de hoje” (Papa Leão XIV)

A Ecologia Integral faz parte da tradição da Doutrina Social da Igreja. Sem a iniciativa de Leão XIII, corroborada pelos seus sucessores, teria sido impossível que a tradição católica – como existência entregue através das gerações – chegasse a esta maturação “ecológica” que o Papa Francisco formulou.

Mesmo que o atual método da DSI ver-julgar-agir tenha chegado a meio do caminho, as questões sociais e económicas têm sido centrais no ensino da Igreja e têm tido impacto no resto do Magistério. Por exemplo, a reflexão sobre a centralidade e sacralidade do Trabalho tem sido uma constante no aprofundamento progressivo das encíclicas sociais: Rerum Novarum – Leão XIII e a condenação das condições miseráveis do trabalho, geradas pela avidez dos patrões, e geradoras de fenómenos de grande concentração de riqueza e desigualdades; Laborem exercens – João Paulo II e a perspetiva holística do trabalho como atividade na qual toda a pessoa – corpo e espírito – participa; e Caritas in Veritate – Bento XVI e a dimensão intrinsecamente relacional do trabalho, aberto ao dom, à gratuidade e à transcendência (Ripensare il lavoro nell’ottica dell’ecologia integrale, Paolo Foglizzo).

O magistério social de Francisco foi verdadeiramente “ad gentes”, no sentido em que construiu pontos com o mundo secular, não só afetivamente, mas também científica e humanisticamente. De facto, a Ecologia Integral tornou-se um espaço privilegiado de relação entre a Igreja e o mundo contemporâneo.

 

3. Sinodalidade ad intra e interdisciplinaridade ad extra para cumprir a missão da “Igreja do terceiro milénio” (Papa Francisco)

A forma de interagir com as ciências naturais e humanas na Laudato Si é uma abordagem às alterações climáticas baseada em evidências científicas e na interdisciplinaridade das áreas do saber, em que a Igreja se coloca numa atitude de aprender e colaborar com as diversas ciências e junto das quais, nesse movimento, consegue ser mais credível e influente no panorama global. Na verdade, exercendo o ministério da escuta, atendendo aos sinais dos tempos e às questões existenciais dos homens e das mulheres de hoje, a Igreja não deixou de cultivar um espírito crítico, profético e até propositivo face ao mundo, da qual a Exortação Apostólica Laudate Deum é um exemplo eloquente (Dialogo interdisciplinare ed ecologia integrale, René Micallef SJ).

Por outro lado, a Encíclica sobre o cuidado da Casa Comum utiliza a metodologia semi-indutiva do magistério pós-Vaticano II, também presente no movimento sinodal, que prefere escutar a realidade, compreendendo-a no seu contexto histórico ou social, em vez de decretar normas morais de forma centralizada. Neste sentido, sabe valorizar o contributo único e irrepetível de cada cultura, de que poderia ser exemplo a referência à “cultura da vida” africana como resposta “à cultura do descarte” (L’ecologia integrale nella prospettiva africana, Adrien Lentiampa Shenge SJ).

Por fim, a Ecologia Integral tornou-se hoje um vetor importante da missão da Igreja e não pode ser vista como um apêndice mais ou menos opcional do anúncio e do testemunho dos cristãos (Approccio sinodale ed ecologia integrale, Giacomo Costa SJ). Esta urgência – muito difícil de tocar os corações e de pôr em prática – passa em primeiro lugar por uma conversão pessoal, cujos frutos devem fazer-se sentir nas nossas relações, estilo de vida, opções de consumo e escolhas políticas. Na verdade, como escreveu o Papa Francisco, a “conversão ecológica implica deixar emergir, nas relações com o mundo que nos rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus” (LS 217).