Uma viagem em forma de conversa
Fé e cultura: encontros, desencontros e reencontros. Da Roma eterna para o mundo de hoje 4-9 Out, Roma1ª Viagem Ponto SJ
A Arte na sua beleza enche-nos muitas vezes de assombro, traz-nos um convite a ver mais além do que os sentidos alcançam. Roma é um lugar privilegiado de encontro com a Arte, é um lugar privilegiado para o reconhecimento do modo como, num tempo concreto, a Fé foi capaz de encontrar formas capazes de configurar a Cultura.
Visitar Roma dá-nos a oportunidade de experimentar este privilégio.
Mas queremos que esta viagem seja mais do que uma mera evocação de um passado glorioso, do que percorrer as ruas de um museu a céu aberto. Gostávamos que o passado fosse entendido como um diálogo com um determinado tempo e que compreendêssemos que hoje nos é pedida uma outra forma de estar na realidade e de dialogar com a cultura. É nosso desejo que as conversas que vamos propor ajudem cada um a pensar-se enquanto cristão, num contexto cultural plural que deixou de se compreender e de se reconhecer como tal. Como nos dizia o P. José Frazão Correia numa recente conferência na Brotéria, “a identidade cristã se determina pelo que simplesmente pensamos, pelo que sentimos ou pelo que fazemos, mas por aquilo em que nos tornamos com o que pensamos, com o que sentimos, com o que fazemos e com o modo como o fazemos”
Há, assim, nesta viagem uma dimensão estética e um convite à reflexão. Mas haverá também a possibilidade de uma integração espiritual de tudo o que fomos vivendo de modo a que o recebido possa ser integrado transformando a nossa sensibilidade e compreensão. Por isso, celebraremos diariamente a Eucaristia, teremos momentos de reflexão pessoal, momentos de partilha em grupo.
Na relação da Fé com a Cultura, houve certamente encontros, desencontros e reencontros. Que a Roma eterna que vamos visitar seja motivo de olharmos de um modo novo para mundo de hoje.
Textos de apoio
Diário de bordo
1º DIA • 4 OUT – TERÇA FEIRA
“Quero uma rua de Roma
com seus rubros com seus ocres
com essa igreja barroca
essa fonte esse quiosque
aquele pátio na sombra
ao longe a luz de um zimbório
mais o cimo dessa torre
que não tem raiz no solo”
David Mourão-Ferreira, in ‘Os Ramos Os Remos’
APONTAMENTO DO DIA
Arrancou hoje a primeira viagem Ponto SJ. Com Roma como destino, e com o encontro entre a fé e a cultura como motivação. Neste primeiro dia, viajamos até à Cidade Eterna, Roma, onde começamos as nossas atividades com a celebração da missa na capela da Comunidade Jesuíta de São Pedro Canísio, onde fomos recebidos pelo P. Manuel Morujão, superior desta comunidade. Em dia de São Francisco de Assis, o P. José Frazão Correia, que orienta esta viagem, recordou-nos o santo da alegria e do despojamento e a sua força evangélica, que decorria da sua profundíssima ligação a Jesus. Citando um teólogo alemão, que se referia a Francisco como “o nú que canta”, o P. José sublinhou a atualidade deste santo, mil anos depois do seu nascimento, e que é marcada pela capacidade de falar a todos. Que este tempo de visita a Roma seja também um tempo de desprendimento, simplicidade e alegria e que sejamos capazes de nos deixar tocar e despertar pelo que vamos vendo, sentindo e conversando uns com os outros.
2º DIA • 5 OUT – QUARTA-FEIRA
Ora, a modernidade vem reivindicar a sua própria autonomia cultural (formas de vida, discursos, razões, dia-a-dia) em relação ao cristianismo, mas reivindicando a mesma hegemonia. O conflito tornar-se-á abertamente político que, para a Igreja, pelo menos do ponto de vista formal (não na forma mentis) só será resolvido no Vaticano II. Até aí, concebendo a modernidade como estruturalmente anti-cristã, compreende-se estruturalmente anti-moderna. (P. José Frazão Correia, sj)
APONTAMENTO DO DIA
Começámos este segundo dia em Roma inspirados pelas palavras do Papa Francisco que, na sua Audiência Geral na Praça de São Pedro, nos falou da necessidade do autoconhecimento e do exame de consciência como ferramenta diária para ir trabalhando a vontade de Deus na vida de cada um. O dia seguiu com a visita à Roma gloriosa e poderosa, com a passagem pelo Foro Romano e pelo Coliseu, sinais visíveis da imponência de outros tempos. À tarde pudemos ser acolhidos na belíssima Igreja de Santo António dos Portugueses, no coração da cidade, onde celebramos missa e estivemos à conversa com o cardeal Michael Czerny, jesuíta que está no Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral. Na sua entusiasmante intervenção, o cardeal referiu as três perguntas principais a que tem procurado responder o Papa Francisco com o seu pontificado:
1. Quem? Que igreja somos?
2. O quê? Qual a missão da igreja?
3. E como?
A estas três perguntas o Papa respondeu com três documentos fundamentais: evangelli gaudium, laudato si e fratelli tutti. E para testar a forma como este “programa” deve ser implementado o Papa lançou o sínodo. O cardeal Czerny deixou-nos, assim, dois verbos para por em prática, como nova forma de ser Igreja: sinodar e eclesiar. Um desafio enorme para o qual estamos todos convocados!!
3º DIA • 6 OUT – QUINTA-FEIRA
No início do segundo milénio, a produção cultural cristã torna-se hegemónica e a Igreja, sobretudo na sua forma católica, assume o dever de se compreender e de se apresentar como um cosmos ordenado, desde a arquitetura das catedrais até ao desafio gigantesco das sumas teológicas. Compreende todos os problemas dentro de um único sistema [curiosamente, constrói o sistema com os andaimes e ferramentas filosóficas um pensador grego, Aristóteles]. Tudo ficaria resolvido se lhe fosse atribuído um lugar justo nessa ordem. Mas a modernidade vem quebrar essa perfeição. Quando os extremos da terra parecem ser todos ou quase todos cristãos, descobre-se que o mundo é muito maior; quando as sumas parecem insuperáveis (a única coisa a fazer era comentá-las), chegam novos instrumentos de medição e de observação; divisões violentas explodem dentro do cristianismo. As cartas voltavam a ser baralhadas. (P. José Frazão Correia, sj)
APONTAMENTO DO DIA
Neste terceiro dia de visita a Roma, visitamos os museus do Vaticano e a basílica de São Pedro, ofuscados e maravilhados pela grandeza e a beleza da arte inspirada pelo Evangelho ao longo dos séculos. À tarde pudemos conhecer a Cúria Geral da Companhia de Jesus e fazer uma fotografia de família no seu famoso terraço com vista para a Praça de São Pedro. Aí tivemos o privilégio de conversar com o cardeal José Tolentino Mendonca, recentemente nomeado Prefeito para o Dicastério da cultura e da educação, e que lembrou a importância do nosso património espiritual que é a nossa humanidade. “Mas não podemos reduzir a cultura a um património construído pois a Igreja precisa de caminho feito e imagens perenes mas também de escutar e entabular diálogo com o novo, o que está a nascer”, afirmou. Ou seja, com o mundo para além das paredes do Vaticano, com a cultura contemporânea, com as periferias a que o Papa Francisco nos convida a chegar.
Terminamos o dia com um tempo de conversa e partilha onde cada um pode partilhar o que tem vivido nesta visita.
4º DIA • 7 OUT – SEXTA-FEIRA
A identidade cristã não se determina simplesmente por um símbolo, um rito, um modo de pensar, de sentir ou de fazer, mas por aquilo em que nos tornamos, através de mediações simbólico-rituais, de modos de pensar, de sentir, de fazer. (P. José Frazão Correia, sj)
APONTAMENTO DO DIA
Neste quarto dia de viagem Ponto SJ, fomos à descoberta da Roma Barroca, com as suas igrejas e monumentos imponentes e majestosos, marcados pela genialidade e a beleza de mestres como Caravaggio ou Bernini. Piazza Navona, Panteão, Fontana di Trevi e praça de Espanha foram alguns pontos de passagem. Por fim a Igreja do Gesù, cuja opulência e grandiosidade não deixa de, curiosamente, contrastar com a simplicidade dos aposentos de Santo Inácio, a partir dos quais o fundador dos jesuítas governou a Companhia nos primeiros anos. A finalizar a tarde, uma inquietante conversa entre o P. José Frazão Correia e o P. Francisco Martins, especialista em Bíblia, que nos falou da autoria e do contexto da Sagrada Escritura, explicando-nos que Deus decidiu revelar-se a um povo literário, com uma sensibilidade literária e com uma maneira particular de se relacionar com a história.
Pudemos ainda celebrar missa no colégio do Gesù e percorrer as ruas de Roma ao final de um dia que anoiteceu debaixo de uma luz magnífica.
5º DIA • 8 OUT – SÁBADO
A identidade cristã de um cristão, de uma comunidade, também desta casa onde vivem e trabalham jesuítas, determina-se, não pela cruz que possamos pendurar na parede, à entrada da casa; mas também não se determina pelo que simplesmente pensamos, pelo que sentimos ou pelo que fazemos, mas por aquilo em que nos tornamos com o que pensamos, com o que sentimos, com o que fazemos e com o modo como o fazemos. (P. José Frazão Correia, sj)
APONTAMENTO DO DIA
Neste quinto dia de viagem Ponto SJ visitamos as basílicas mais imponentes fora do centro da cidade: São João de Latrão, onde nasceu a cristandade, e Santa Maria Maior. Descemos também às catacumbas de São Calisto e pudemos testemunhar a importância que os primeiros cristãos davam ao momento da morte que significava a passagem para a vida eterna. Da parte da tarde fomos calorosamente acolhidos no Pontifício Colégio Português, em Roma, onde estudam os padres diocesanos portugueses. Numa conversa com o P. José Frazão Correia, o reitor P. José Alfredo Patrício falou-nos da reforma da Cúria Romana e lembrou-nos que o principal objetivo do Papa Francisco é priorizar a evangelização e também corrigir algumas estruturas e formas erradas de exercício do poder dentro da Igreja. O dia terminou com um passeio pela cidade a pé e com a visualização de um espetáculo de vídeo mapping na fachada da Praça de São Pedro.
6º DIA • 9 OUT – DOMINGO
Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e gostar as coisas internamente. (Inácio de Loyola)
APONTAMENTO DO DIA
Um dia de partilha e de testemunhos sobre o que pudemos viver nestes dias. Um momento de enorme consolação.