[depois da ‘Casa original’ do último Igreja Viva de 14 de dezembro] segue-se uma outra Casa – a Casa da Torre, que antes de ser Casa era Solar barroco do século XVIII, doado em 1947 em testamento da Viscondessa da Torre (Soutelo, Braga) à Província Portuguesa da Companhia de Jesus; no mesmo ano morre a Viscondessa, sem descendência, passando a Casa para a posse da Companhia, que em 1950 dá início à construção do edifício de ampliação para albergar o Noviciado, com projecto do gabinete ARS Arquitectos (Cunha Leão, Morais Soares e Fortunato Cabral) [1] num estilo menos airoso que o do Solar e com detalhe construtivo menos cuidado, embora por exemplo com a força da simbólica do alicerce mariano do claustro – a imagem de Nossa Senhora assenta sobre um pilar igual e colocado ao mesmo nível dos pilares que sustentam a arcada do claustro; em torno, a força da natureza livre do bosque e da natureza domesticada da quinta, dotam o conjunto das características ideais para nele se sediar o Centro de Espiritualidade e Cultura [2] (depois dos noviços terem passado para Coimbra em 1979). Dentro e fora: um lugar de silêncio e de paz.

Fiz na Casa da Torre os primeiros Exercícios Espirituais, num silêncio de oito dias – mais a desbravar um primeiro livro de exegese bíblica – ainda sem bem conhecer Santo Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus, a Espiritualidade Inaciana, ou pelo menos o alcance que teriam na minha vida. Desde então, repito aprofundando o conhecimento de mim, dos outros, de Deus – explorando os cantos da Casa.

Foi há 10 anos que se fez na Casa da Torre o primeiro (de apenas dois) “Rezar com a Arquitectura Moderna”. Inserido no quadro do Rezar com as Artes – que pretendia tirar partido das várias linguagens do campo das artes como iniciação ao Mistério de Deus, aparecia a par do Rezar com o Corpo, os Ícones, a Música de Messian… [3] No texto de apresentação do fim-de- semana de retiro lia-se:

Com o desafio primordial de ‘em tudo ler a presença de Deus’ propunha-se a releitura do contexto próximo da arquitectura do século XX, mais especificamente da arquitectura moderna e da primeira metade alargada do mesmo século (1920-1960). Procurar-se-ia, à luz da continuidade da criação, em vez de circunscrever o modernismo, estabelecer um Movimento no Moderno que apontaria paradigmas coexistentes e sempre presentes. Pelas paisagens de autores modernos perceber-se-iam os modos como entenderam dever estabelecer-se a relação com Deus e com o mundo natural; pelas viagens descobrir-se-iam as raízes nas civilizações que estruturam o ser moderno; pela tectónica e simbólica das obras extrair-se-iam conteúdos para a meditação, entendendo a arquitectura como potencializadora da religião. Esta releitura teria como ponto de vista um quadro comparativo entre a arquitectura moderna e a Revelação.

Fora a chegada na sexta-feira e a partida no domingo, tratou-se de um longo sábado no qual um pequeno grupo de participantes misturou oração, teoria e prática, começando ao amanhecer por ‘rezar na natureza’, depois pelo meio dia por ‘rezar no primitivo’, à tarde avançou com a construção de um oratório, para culminar na vigília e ‘rezar no moderno’. O oratório era uma tenda, montada e desmontada numa das alas do claustro, tela esticada sobre um pilar-cruz- de-braços-abertos. No devir ficou a implantação do pilar-cruz- árvore na quinta, marcando a paisagem.
Hoje volto à Casa evocando as memórias e esperando os dias vindouros.

[1] www.monumentos.gov.pt
[2] www.casadatorre.org
[3] O desafio era lançado por Luís Maria Providência a leigos e religiosos ‘metidos’ nas diferentes áreas artísticas.

Pedro Cruz