Ir. José Bernardino Fernandes

14.05.1929 – 21.04.2021

Biografia

O Ir. Bernardino nasceu na Freguesia de Vide Entre Vinhas, no concelho de Celorico da Beira, Guarda, no dia 14 de maio de 1929 e entrou na Companhia de Jesus no dia 7 de setembro de 1949, no Mosteiro da Santa Marinha da Costa, em Guimarães. Fez o Juniorado em Soutelo e estudou filosofia na Faculdade de Filosofia de Braga de 1953 a 1956. Durante a filosofia, o Ir. Bernardino teve problemas de saúde, o que o levou, num discernimento acompanhado, a decidir passar para Irmão.

No final da filosofia foi enviado para a Escola Apostólica de Macieira de Cambra e exerceu o ofício de sacristão e de amanuense. No ano seguinte foi para a residência do Porto e era o sacristão da Igreja. Fez a Terceira Provação no ano escolar de 1959 – 1960, em Soutelo, e os últimos votos no dia 2 de fevereiro de 1960, no Porto. Nesse ano foi para a residência da Lapa, Lisboa, onde permaneceu durante dois anos, como porteiro e refeitoreiro.

Em 1962 foi destinado à Comunidade da Faculdade de Filosofia de Braga onde trabalhou como administrador da Revista Portuguesa de Filosofia e adjunto do bibliotecário, até 1996. Permaneceu na residência da Faculdade de Filosofia continuando como secretário da Revista e ainda somo sacristão da Capela de S. Barnabé.

Em 2000, o Ir. Bernardino, querendo responder a um desejo profundo que o habitava, como vindo de Deus, ofereceu-se para ir para Timor, fundamentalmente, reconhecendo a sua fragilidade, para que “Deus seja glorificado pela visão positiva dos acontecimentos e de que a minha missão seja de paz e pacificação, transformando o ódio, em amor…”, como escreveu ao P. Provincial. Esteve em Timor e foi ministro da residência de Loyola de Taibessi, assistente do pré noviciado, professor de português e auxiliar do visitador dos hospitais e das cadeias.

Em 2003 voltou para a residência da Faculdade de Filosofia de Braga continuando como secretário da Revista Portuguesa de Filosofia e sacristão da capela de S. Barnabé. Em 2006 foi para a Póvoa de Varzim e era bibliotecário, porteiro e refeitoreiro da residência do Sagrado Coração de Jesus, até 2017, ano em que a Companhia de Jesus encerrou a residência.

O Ir. Bernardino voltou para Braga e ocupava-se em serviços domésticos e visitava os doentes. O Ir. Bernardino foi um religioso sempre muito piedoso e espiritual. Era delicado e discreto. Manifestou grande capacidade de trabalho. Faleceu no dia 21 de abril de 2021, em Braga, na sequência de uma queda, estando internado num hospital.

Testemunho

Conheci o Ir. Bernardino há 35 anos. Nessa altura o Ir. Bernardino trabalhava na Revista Portuguesa de Filosofia. Só me lembro de o ver num gabinete enorme atafulhado de papeis e a trabalhar de dia e de noite à volta dos artigos para a Revista, os que vinham dos autores e depois das provas tipográficas. Também lhe cabia a paginação. Era praticamente o secretário da Revista.

Recentemente vivi mais de dez anos com ele na Comunidade da Faculdade de Filosofia/Apostolado da Oração em Braga. Ele era um santo. Era um homem muito piedoso (e distraído). Estava sempre a perder os terços. Eu dei-lhe alguns e algumas canetas tipo Roller Ball. (Eu acho que ele não sabia ir a uma loja e comprar alguma coisa.) Era sempre muito agradecido. Mas onde eu vejo que ele era um santo era na sua extrema delicadeza e atenção ao próximo.

Quando se cruzava com um de nós sobretudo no refeitório quase dançava tais eram os movimentos para não nos tolher a passagem. Se porventura achava que nos tinha ofendido por mais leve que fosse a ofensa vinha logo pedir imensas desculpas. E na comunidade estava sempre a servir. Era o sacristão e por sua iniciativa lavava e secava alguma loiça.

Como jesuíta é uma inspiração no seu imenso amor aos outros membros da comunidade. Era agradabilíssimo viver com ele.

P. Gonçalo Miller Guerra

Testemunho

Que dizer deste homem tão querido por quantos o conheciam e apreciavam o seu modo de ser e de estar? Jesuíta sorridente, serviçal, disponível e colaborante, irradiava autenticamente um testemunho de alegria, fé, confiança em Deus, e de uma caridade impressionante, ilimitada e comovente. Tendo convivido com ele dezenas de anos, certamente que não exagero se afirmar que era mesmo santo, um “santo à sua maneira”.

Como outros companheiros jesuítas que o conheceram e acompanharam mais de perto, fui testemunho das manifestações, no Irmão Bernardino, da fé profunda que animava o seu viver quotidiano. Quantas vezes, em circunstâncias complexas, o ouvimos repetir, sem hesitação nem respeito humano: “Deus é Pai!” Esse acreditar no amor de Deus e a certeza de estar em boas mãos, faziam que caminhasse sem receios, sem se escandalizar com o sofrimento próprio, e se lançasse, sem travões, ao apostolado do exemplo de vida e da palavra oportuna a quantos se cruzavam com ele e desabafavam as suas amarguras e aflições.

Era um religioso “excessivo” nos tempos dedicados à oração e na prática de boas obras em prol do próximo. Quantas vezes o surpreendíamos, pela noite dentro ou de madrugada, ajoelhado ou mesmo prostrado na capela, horas a fio! Cultivava muito a piedade, recorrendo a devocionários antigos, a novenas e a orações tradicionais, sem descurar textos piedosos mais dos nossos dias. Mas o “prato forte” era, para ele, a Eucaristia. Não se contentava com uma missa diária. Informado dos horários das missas na cidade, sempre que os seus afazeres o permitia, deslocava-se a esta ou àquela igreja a participar em mais uma ou duas celebrações eucarísticas. Quanto a programas da televisão, limitava-se praticamente a assistir apenas aos de caráter religioso.

No respeitante à caridade e ao serviço aos outros: durante anos e anos, transcreveu à máquina uma imensidade de artigos para a Revista Portuguesa de Filosofia; fez a correção de provas desses e de outros artigos e livros a publicar. Não sabia dizer “não”. O cuidado do bem dos outros e os serviços que se dispunha a prestar-lhes implicaram muitas noites demasiado curtas para o sono reparador e afetavam-lhe os nervos cansados. Aliás terá sido por esgotamento e depressão que ele, quando estudante em preparação para o sacerdócio, foi aconselhado a renunciar a esse ideal e acabou por abraçar a vocação de Irmão coadjutor na Companhia de Jesus de que fazia parte. Creio que, durante anos e anos, alimentou a esperança de vir a ser ordenado padre e, nesse sentido, foi fazendo os estudos indispensáveis para a realização de tal desejo…

Desenganado de vir a ser sacerdote, dedicou-se ao apostolado da caridade e do serviço: levar a comunhão aos doentes, ajudar na cozinha, servir na enfermaria, … Até chegou a ir como missionário para Timor, de onde, ao fim de um ano, teve que regressar por razões de saúde. Era um homem bom, humilde, quase ingénuo e crédulo…Era frequente pedir desculpa a alguém a quem julgava ter ofendido. Morreu inesperadamente, em consequência e no seguimento de uma queda. Deixou verdadeiramente saudades. Porque era bom, porque era santo, um ”santo à sua maneira”. Deus nos ajude a imitar os seus bons exemplos!

P. Manuel Losa